Quinta-feira, Dezembro 26, 2024
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João Gaspar: “Antevê-se um crescimento significativo de Fintechs em 2024 e 2025”

Com mais de 30 anos de experiência nas áreas de IT e Telecomunicações bem como na definição implementação e suporte de serviços e negócios na área de sistemas de pagamentos, João Gaspar, cedeu uma entrevista exclusiva ao Profile, na qualidade de Presidente da Associação das Fintechs de Moçambique.

Durante a entrevista, Gaspar fala sobre o mercado das fintechs e faz uma apreciação a volta do ambiente regulatório no contexto moçambicano e destaca as mudanças regulatórias que acredita que são necessárias para fomentar o desenvolvimento do sector.

Profile Mozambique: Poderia nos contar sobre a história e a missão da Associação das Fintechs de Moçambique, destacando os principais marcos e objectivos da organização desde a sua criação?

João Gaspar: A Fintech MZ é uma associação legal criada em 2019 por 12 empresas e pessoas, que são os fundadores da associação. A missão da Fintech MZ é ser uma voz única que represente o sector das fintechs em Moçambique. Estas entidades não são bancos comerciais nem carteiras móveis, mas utilizam a tecnologia para prestar serviços financeiros, e esse é o foco principal da Fintech MZ.

Por um lado, a associação tem como objectivo atrair investimentos para o sector, por outro, divulgar o conceito de fintechs, e promover o conhecimento sobre o assunto através de participações em painéis, seminários, e outras iniciativas. Desde a sua criação, há cinco anos, a Fintech MZ organiza  anualmente a Fintech Week, uma semana dedicada às fintechs, tendo já realizado cinco edições até agora.

Ao longo do ano, a associação participa em diversos painéis, webinars, e eventos como o M-Pesa FINCKATHON e o FinTalk, apoiando a realização e organização desses encontros. Outro aspecto importante do trabalho da Fintech MZ é a proximidade com o regulador dos serviços financeiros, o Banco de Moçambique, representando os interesses das fintechs junto à entidade reguladora.

PM: Como vê o crescimento e o desenvolvimento do sector de fintechs em Moçambique nos últimos anos?

JG: Tem sido um processo lento que começou com a 5ª edição da Sandbox. Já passaram pela Sandbox mais de 35 empresas, tanto nacionais quanto estrangeiras, e agora começa-se a perceber e a ver a entrada dessas empresas no mercado moçambicano.

O processo de licenciamento tem sido demorado, pois as empresas precisam ser licenciadas como transferências internacionais de dinheiro ou como agregadores e prestadores de serviços de pagamento. Esse licenciamento não é rápido e leva tempo, o que tem condicionado o surgimento de mais soluções no mercado.

No entanto, acredito que em 2024 e 2025 começaremos a ver mais empresas com o selo de fintech a aparecer no mercado. É importante lembrar que uma empresa fintech não necessariamente atende apenas clientes finais; pode ser uma solução tecnológica utilizada por outras empresas.

Já temos empresas que, por exemplo, oferecem sistemas de KYC eletrónico, de gestão de identificação de pessoas, e que não têm clientes finais directamente. Essas soluções são licenciadas para bancos e outras companhias que as utilizam. Essas empresas também são consideradas fintechs.

PM: Quais são as principais áreas de inovação financeira que as fintechs locais têm estado a explorar?

JG: A grande maioria das fintechs tem-se centrado em pagamentos digitais e agregação de pagamentos. Temos algumas na área dos seguros digitais e uma empresa internacional, a Mukuru, especializada em transferências internacionais, do estrangeiro para Moçambique. Estas são as poucas áreas licenciadas pelo Banco Central e, portanto, representam as principais áreas de actuação das fintechs no país.

Existem também algumas fintechs que desenvolvem produtos para a gestão de grupos de poupança, os chamados “saving groups”, com sistemas de gestão das reuniões e que podem estar ou não ligadas a bancos para concessão de créditos. Estas são basicamente as áreas representadas na associação.

Há muitas oportunidades para expansão, especialmente se compararmos com outros países africanos que têm mais experiência no setor das fintechs. Em Moçambique, ainda há muito a ser feito. No entanto, a regulação deve acompanhar a inovação. Por exemplo, plataformas de crédito digital em tempo real ou sistemas de “Buy Now, Pay Later” precisam estar de acordo com a legislação vigente para serem implementados.

O nosso papel junto ao regulador tem sido apoiar fortemente as iniciativas da Sandbox e promover novas soluções. Vejo também um crescente interesse em tecnologias como o blockchain, que pode ser usada para além das criptomoedas, como em bases de dados distribuídas, oferecendo maior redundância, segurança e imutabilidade dos dados. Já temos pelo menos duas iniciativas em desenvolvimento com blockchain: uma delas está sendo desenvolvida por dois jovens na Sandbox, e a outra é a Avion, que utiliza tecnologia blockchain em seus produtos, embora não seja uma empresa moçambicana, já está presente no mercado.

No curto prazo, veremos outras inovações, como cartões bancários virtuais que funcionam em telemóveis, entre outras soluções que estão por surgir. Acreditamos que o setor de fintechs em Moçambique tem um enorme potencial de crescimento e inovação, desde que apoiado por uma regulação adequada e um ecossistema favorável.

PM: Que apreciação faz a volta do ambiente regulatório para as fintechs em Mocambique e quais são as mudanças regulatórias que acredita que são necessárias para fomentar o desenvolvimento do sector?

JG: A regulação precisa acompanhar a inovação. Além disso, não se pode regular ou licenciar modelos de negócio, uma vez que fintech é um conceito, um modelo de negócio. O que se licencia são empresas que precisam se enquadrar na legislação existente. Ainda há muito a ser feito. Por exemplo, a regulação do chamado “Tiered KYC” (Know Your Customer por níveis), que envolve diferentes níveis de exigência de conhecimento do cliente. Já existem algumas regulamentações para comerciantes e contas empresariais, mas a maioria da economia é composta por comerciantes informais que queremos trazer para o mercado formal. São pequenos comerciantes, portanto, as exigências de KYC e documentação precisam ser proporcionais ao tamanho desses comerciantes.

A regulação das fintechs deve ser proporcional ao risco que representam no mercado. Por exemplo, o M-Pesa é uma fintech e faz parte da nossa associação. Não podemos exigir o mesmo nível de compromisso e conformidade de uma empresa iniciante, como uma que desenvolve um produto para pagamentos em “chapas”, que exigimos do M-Pesa. As empresas iniciantes não têm a estrutura nem a capacidade financeira para suportar esse nível de conformidade.

A abordagem deve ser equilibrada, permitindo que as startups cresçam e inovem sem serem sobrecarregadas por regulamentos excessivamente rigorosos desde o início. É essencial criar um ambiente regulatório que incentive a inovação, ao mesmo tempo em que protege os consumidores e a estabilidade do mercado.

PM: E Associação tem colaborado com o governo ou outras entidades na criação de políticas favoráveis às fintechs?

JG: Temos colaborado estreitamente com o Banco Central, principalmente nesse sentido. Participamos na análise e parecer de leis e projectos de leis em elaboração pelo Banco Central. Ademais, fazemos parte de três grupos de trabalho que discutem temas importantes, como inclusão financeira, pontos de presença de sistemas financeiros e interoperabilidade.

Nossa contribuição é essencial para a Estratégia Nacional de Inclusão Financeira. Esses grupos de trabalho são fundamentais para garantir que as políticas e regulamentações atendam às necessidades do setor e promovam um ambiente propício para o crescimento e inovação das fintechs em Moçambique.

PM: Como é que estas fintechs podem se beneficiar de colaborações com as instituições financeiras tradicionais?

JG: Eu sou defensor de um processo colaborativo e não competitivo, no sentido verdadeiro da palavra. Vejo, de facto, cada vez mais a necessidade de haver colaboração entre as fintechs. Algumas focam-se em seguros, outras em vendas ou pagamentos digitais, outras em KYC. Não faz sentido que cada uma tente reinventar a roda sozinha. A colaboração é fundamental.

Essa colaboração não deve ocorrer apenas entre fintechs, mas também com a banca tradicional. As fintechs não vêm substituir os bancos; elas vêm para melhorar processos bancários ou transformar modelos de negócio, tornando-os mais ágeis e rápidos de implementar. No entanto, a banca tradicional continuará a desempenhar um papel fundamental.

Portanto, é essencial promover processos colaborativos entre fintechs e bancos tradicionais, para que juntos possam inovar e oferecer melhores soluções aos clientes.

PM: Qual conselho daria para empreendedores em fase inicial neste sector?

JG: Com o licenciamento ou com a capacidade de lançar autonomamente essas soluções no mercado, é fundamental que as fintechs inovem e se aproximem das empresas, bancos e outras fintechs já estabelecidas. Mostrem essas soluções e busquem parcerias para acelerar a sua implementação no mercado.

Se tentarem cumprir toda a legislação de forma independente, o processo será mais moroso, não apenas em termos de tempo, mas também devido à complexidade envolvida. A colaboração pode facilitar a conformidade regulatória e agilizar o lançamento das soluções, permitindo que as fintechs se concentrem na inovação e no desenvolvimento de novos produtos.

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