Segunda-feira, Setembro 16, 2024
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Christine Ramela: “Sem comunicação, a Responsabilidade Social Corporativa perderia seu potencial transformador”

Esta semana, o Profile conversou com Christine Ramela, uma experiente Executiva de Comunicação e Responsabilidade Social Corporativa, com um percurso marcado por compromisso e inovação, Christine compartilhou perspectivas sobre como as empresas podem alinhar suas estratégias de negócio com iniciativas de impacto social, transformando desafios em oportunidades.

Profile Mozambique: Quem é Christine Ramela como profissional? Poderia resumir o seu percurso e experiência na área?

Christine Ramela: Sou uma profissional com vasta experiência em Marketing, Relações Públicas e Responsabilidade Social Corporativa. Minha carreira começou em agências de publicidade, onde actuei como executiva de contas e, posteriormente, como directora comercial em duas agências que ainda operam em Moçambique.

Após essa fase, assumi a responsabilidade de Marketing e Relações Públicas em um banco, onde permaneci por cerca de quatro anos. Nos últimos seis anos, estou dedicada a uma nova jornada, sempre ligada ao Marketing, Publicidade e Relações Públicas. Mais recentemente, nos últimos dois anos, tenho focado com maior intensidade na responsabilidade social corporativa.

PM: Qual a relevância dada à Responsabilidade Social Corporativa pelas empresas moçambicanas?

CR: Quanto à relevância da responsabilidade social corporativa no contexto moçambicano, tem-se observado um crescimento significativo no envolvimento das empresas. Embora ainda haja espaço para avanço, a consciencalização sobre a importância do desenvolvimento sustentável tem aumentado substancialmente.

Não se trata apenas de doações, mas de acções que gerem impacto positivo nas condições sociais e ambientais do país. Hoje, a responsabilidade social corporativa é vista como uma ferramenta essencial para a promoção do desenvolvimento sustentável em Moçambique. As grandes organizações, e outras, têm demonstrado maior comprometimento, avançando de meras doações para projectos estruturados com planos de curto, médio e longo prazo. Esse é um progresso notável que temos testemunhado.

PM: Quais são as principais áreas em que as empresas têm feito progressos significativos?

CR: Eu não identificaria uma única área de maior relevância, pois todas as empresas procuram contribuir para pilares fundamentais da sociedade, como educação, saúde, e, mais recentemente, o meio ambiente. Projectos como limpeza urbana e plantio de mangais mostram uma crescente consciencialização ambiental. Ademais, há um foco em iniciativas de empoderamento feminino e comunitário, frequentemente através de microfinanças, considerando que a maior parte da população é composta por mulheres, e, como diz o ditado africano, ao ajudar uma mulher, ajuda-se toda uma comunidade.

Esses pilares voltados à educação, saúde, meio ambiente, e empoderamento comunitário, são fundamentais para a responsabilidade social das empresas. A comunicação desempenha um papel estratégico crucial nesse contexto, pois é através dela que as empresas podem demonstrar o impacto de suas acções sustentáveis.

PM: Na sua opinião, como é que o sector empresarial está a usar o poder de comunicação para mostrar o impacto que a sustentabilidade tem?

O interesse crescente pelas práticas de responsabilidade social nos últimos 10 anos deve-se, em grande parte, à comunicação eficaz, seja por meio de relatórios de sustentabilidade ou storytelling, que é profundamente enraizado em nossa cultura.

E a comunicação tem o poder de contar histórias de sucesso, tanto internamente quanto externamente, e isso ajuda a consciencializar investidores, colaboradores e a comunidade em geral sobre a importância das acções de responsabilidade social. Com o advento das redes sociais, tornou-se ainda mais fácil e rápido comunicar esses impactos, permitindo uma comunicação mais direccionada e eficaz, inclusive através de rádios comunitárias.

Em linhas gerais, a comunicação estratégica não só fortalece as iniciativas de responsabilidade social, como também torna mais visível e compreensível o impacto positivo das acções das empresas, incentivando uma maior receptividade por parte da comunidade e dos investidores.

Sem comunicação, a responsabilidade social corporativa perderia seu potencial transformador.

PM: Considerando a vasta experiência que possui neste campo de actividade, existem acções de maior e bem-sucedidas em que esteve directamente envolvida que poderia destacar? Quiçá servirem de modelo para outras empresas em Moçambique.

CR: Tenho tido o privilégio de trabalhar em diversos pilares da responsabilidade social, como educação, saúde, bem-estar, e meio ambiente. Dentre os projectos em que estive envolvida, dois se destacam particularmente para mim.

O primeiro envolve escolas secundárias, onde se selecciona um grupo de alunos, do sétimo ao décimo ano, para participar de um desafio. Eles devem propor maneiras de melhorar a sua comunidade ou escola, utilizando recursos recicláveis ou ambientalmente sustentáveis.

Um exemplo notável foi a iniciativa de uma escola em que os alunos criaram pensos higiénicos reutilizáveis para ajudar meninas cujas famílias não podiam arcar com a compra mensal desses produtos. Eles estabeleceram uma oficina na escola para produzir e vender os pensos a preços acessíveis, e todo o lucro é reinvestido na compra de materiais. Esse projecto não apenas atendeu a uma necessidade urgente, mas também empoderou os alunos e suas famílias, ao mesmo tempo em que promoveu a sustentabilidade e a educação financeira.

Outro projecto inovador foi o desenvolvimento de uma máquina de soldar movida apenas por raios solares, água e sal, criada por alunos de outra escola. O investimento necessário foi mínimo, e os alunos aprenderam a fazer gestão de custos e recursos de forma eficiente. E agora planeiam partilhar seu conhecimento com outras escolas, promovendo assim a educação e a inovação em suas comunidades.

Portanto, estes projectos exemplificam como soluções simples, mas criativas, podem ter um impacto profundo quando a comunidade é envolvida directamente no processo de criação e execução. São iniciativas como essas que mostram o verdadeiro poder da responsabilidade social aliada à educação e ao engajamento comunitário.

PM: Como as lideranças empresariais em Moçambique podem ser incentivadas a integrar a RSE nas suas estratégias corporativas?

CR: Nem todas as empresas incorporam acções de responsabilidade social em suas estratégias corporativas, mas essa integração é essencial. Para que isso aconteça, é fundamental promover a consciencialização dentro da empresa, envolvendo colaboradores, investidores e a alta gestão. No entanto, o desafio é que, muitas vezes, a responsabilidade social é tratada como uma forma de melhorar a imagem da empresa, e não como um pilar estratégico.

Actualmente, a responsabilidade social frequentemente está inserida dentro das áreas de marketing ou comunicação, sem ser reconhecida como uma função independente e vital para a organização. Esse cenário lembra o início do marketing e da publicidade nas empresas, que só recentemente começaram a ser valorizados como áreas essenciais.

À medida que as empresas, especialmente as grandes corporações, se alinham às práticas globais, cresce a necessidade de demonstrar responsabilidade social de forma concreta, seja por meio de relatórios de sustentabilidade ou pelo engajamento dos colaboradores.

Envolver os colaboradores em acções sociais não só cria um senso de pertença, mas também pode impulsionar a própria gestão a adoptar uma postura mais responsável. Muitas vezes, a pressão para agir socialmente vem de comparações com outras empresas, o que pode levar a uma competitividade desnecessária. No entanto, a verdadeira responsabilidade social não deve ser uma questão de quantidade, mas de impacto. Mesmo pequenas acções, como a doação de cestas básicas em tempos de necessidade, podem fazer uma diferença significativa.

Infelizmente, essa competitividade externa pode levar empresas a implementar projectos sem uma análise prévia adequada, resultando em iniciativas que não correspondem às reais necessidades da comunidade. O foco deve ser em acções que realmente tragam benefícios duradouros, independentemente de sua escala.

PM: Para terminar, como as empresas podem equilibrar a criação de valor económico com a responsabilidade social e ambiental?

CR: As empresas sempre priorizam os lucros. Em algumas organizações maiores, especialmente em certos sectores, já existe um orçamento destinado à responsabilidade social, frequentemente alocado como um pequeno percentual, como 1% do lucro ou do orçamento anual. No entanto, assim como acontece com o marketing, em momentos de crise, a responsabilidade social pode ser a primeira área a sofrer cortes. Para evitar esse erro, é crucial que as acções sejam mensuráveis e que seus impactos sejam claros para a gestão.

Práticas simples, como instalar temporizadores em banheiros para economizar energia ou manter a temperatura constante em escritórios, podem demonstrar benefícios ambientais e, ao mesmo tempo, gerar economias financeiras. Em alguns países, existem incentivos fiscais, como a Lei do Mecenato, que ainda não foi implementada aqui, mas que também pode agregar valor às acções de responsabilidade social.

É possível convencer a gestão de que essas ações não são apenas despesas, mas investimentos com retorno, especialmente no fortalecimento da marca. Embora o valor de uma marca seja intangível e difícil de quantificar, ele se torna evidente em momentos de crise, quando o apoio prévio à comunidade pode ajudar a mitigar impactos negativos e fortalecer a relação com o público.

Explicar à gestão os benefícios financeiros e o crescimento da marca resultantes dessas acções é essencial. Além disso, demonstrar o impacto concreto de iniciativas, como um aumento no número de clientes após uma acção de literacia financeira em uma comunidade pouco bancarizada, pode ser um argumento poderoso. Medir esses resultados e contar a história por trás das acções, não apenas o que foi feito, mas como isso impacta a comunidade, penso que ajuda a gestão a perceber que essas actividades não são apenas doações, mas investimentos que trazem retorno.

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