Felícia Nhama, responsável pela Unidade de Responsabilidade Social e Comunicação Corporativa (URSCC) da Tmcel, narra a sua inspiradora trajectória profissional ao Profile.
Por um lado, Felícia partilha sua experiência ao comentar sobre projectos de cooperação e desenvolvimento que foram bem-sucedidos sob a sua coordenação. Por outro, faz uma apreciação do impacto dos indicadores de ESG na instituição em que actua, destacando a importância dessas práticas para o seu crescimento e sustentabilidade.
Profile Mozambique: Poderia partilhar connosco um resumo da sua trajectória profissional até chegar à Tmcel? Quais foram os principais desafios que enfrentou ao longo deste percurso?
Felícia Nhama: A minha trajectória profissional começou em 2002. Em setembro de 2004, ingressei na extinta Mcel, antes da fusão com a também extinta TDM como atendedora na Linha do Cliente, e um ano depois, assumi a função de Secretária do Conselho de Administração, posição que ocupei por quatro anos. Posteriormente, aceitei novos desafios como Técnica de Assuntos Corporativos na área de Comunicação Corporativa e Responsabilidade Social.
Com o tempo, surgiu uma oportunidade para a posição de Gestora Sénior na mesma área, à qual me candidatei e desempenhei por oito anos, até o processo de fusão das empresas. Após a reestruturação, continuei como coordenadora da área.
Enfrentei diversos desafios, tanto pessoais quanto profissionais. Conciliei a maternidade, o lar e os estudos, conseguindo me formar enquanto trabalhava e cuidava de dois filhos. No ambiente profissional, tive que me adaptar a diferentes estilos de liderança, trabalhando directamente com cinco líderes distintos.
Um dos maiores desafios ocorreu quando fiquei sozinha no sector de Comunicação Corporativa e Responsabilidade Social, após a saída simultânea de toda a equipe. Assumi todas as funções dos três colegas que partiram, além das minhas próprias, lidando com tarefas complexas, como comunicação interna, externa, gestão de crises, parcerias e projectos sociais. Este período exigiu dedicação intensa, com trabalho fora do horário de expediente, incluindo fins de semana, especialmente em situações de crise. Essa experiência foi fundamental para o reconhecimento das minhas competências dentro da empresa.
PM: Considerando o contexto socio-económico de Moçambique, quais são os maiores desafios na implementação de estratégias de responsabilidade social do sector empresarial?
FM: Na minha opinião, Moçambique ainda enfrenta muitos desafios neste processo, primeiro, temos a questão da ausência de políticas claras ou guiões de orientação que possam nortear as empresas na condução das acções de responsabilidade social. Segundo, estas mesmas políticas enfrentam o desafio da falta de incentivos que possam motivar as empresas a desenvolver cada vez mais acções socialmente responsáveis.
As empresas também precisam ser incentivadas, motivadas e engajadas para que tenham mais interesse em contribuir para o bem-estar e qualidade de vida das comunidades onde estão inseridas. Outro maior desafio na minha óptica na implementação projectos de responsabilidade social por parte das empresas, é a falta de um estreito alinhamento com o governo, no sentido de fazer convergir as acções das empresas com as prioridades do governo e assim alcançar-se objectivos tangíveis, com impacto na sociedade.
A responsabilidade social empresarial, para que seja visível e notória, precisa gerar transformações e resultados positivos para todos os intervenientes, empresa, governo, comunidades e sociedade no geral. Temos ainda o desafio relacionado com a falta de regulamentação da Lei do Mecenato por parte do governo, onde os objectivos e vantagens da lei para as empresas não estão ainda claros.
Este último ponto tem sido a maior inquietação por parte das empresas quando pensam nos investimentos sociais pois, entendem as empresas esta lei como um prejuízo e não incentivo, o que retrai as empresas a ampliarem os seus investimentos em projectos sociais. É urgente a revisão e regulamentação desta lei para que todos saiam beneficiários e nenhuma das partes entre em prejuízos. Só desta forma teremos uma responsabilidade social real e concreta, com impacto.
PM: De que forma a comunicação corporativa pode ser utilizada para mitigar crises e fortalecer a imagem da empresa?
FM: Primeiro temos que entender que a comunicação corporativa representa um conjunto de acções e práticas que as empresas devem adoptar que têm como principal objectivo gerar impacto nos diferentes públicos de interesse das empresas. Por outro lado, a comunicação corporativa está relacionada a estratégias utilizadas para a empresa se comunicar com eficiência com os seus públicos, interno e externo.
Portanto, no processo de mitigação de crises, a comunicação corporativa deve ser eficiente pois, só desta forma ela ajuda a construir e a manter uma imagem positiva da empresa, incluindo o fortalecimento da identidade da marca pois, uma marca bem comunicada gera confiança e lealdade dos clientes. A comunicação em tempos de crise é um dos elementos importantes para evitar ruídos e consequentemente problemas no local de trabalho. Ela torna-se um recurso vital para estabelecer o diálogo tanto com o público interno, como com o externo, neste caso, clientes e também a mídia.
A estratégia principal no processo de gestão de crise na comunicação corporativa reside na antecipação e prevenção, este factor permite às empresas reagirem e se prepararem proactivamente para enfrentarem os desafios antes que se transformem em crises de grande impacto.
Por isso, as empresas devem desenhar políticas e procedimentos internos de comunicação de crise e estes devem estar devidamente claros e segmentados tendo em conta o tipo de crise, grau do público afectado, dimensão, abrangência, entre outros factores de relevância que podem impactar negativamente a imagem da empresa se não forem bem articulados.
PM: Poderia partilhar alguns exemplos de projectos de cooperação e desenvolvimento que foram bem-sucedidos sob a sua coordenação?
FM: São vários os projectos e cada um deles teve e continua a ter o seu impacto. No entanto, olhando para a dimensão do projecto e impacto, posso referir primeiro um projecto desenvolvido na área da saúde, o projecto SER – Serviço Expedido de Resultados, um projecto de cooperação e desenvolvimento entre a Tmcel, o Ministério da Sáude, através do INS – Instituto Nacional de Sáude e a CHAI – Clinton Health Initiative (Iniciativa Clinton para o Acesso à Saúde).
É um projecto de grande impacto nacional e internacional, que iniciou em 2010 para melhorar a área de saúde materno-infantil, onde, resultados de testagens de HIV de crianças nascidas de mães seropositivas passaram a ser enviados através de uma impressora que funciona através de um cartão sim e tecnologia GPRS da tmcel.
O avanço desta tecnologia reduziu o tempo do envio de resultados de 6 meses para 28 dias, o que fez com que as crianças começassem a iniciar o tratamento mais cedo e como resultado ajudou a salvar vidas. Este projecto, posicionou Moçambique como pioneiro no uso do telemóvel para transmitir resultados laboratoriais no Serviço Nacional de Saúde e provou que as novas tecnologias de informação e comunicação são eficazes no sistema de saúde.
O M-Health passou a ser uma realidade em Moçambique, com a implementação deste projecto, que mereceu em 2012 a visita do antigo presidente dos EUA e patrono da organização internacional implementadora do projecto, Bill Clinton, à Moçambique, tendo visitado o Centro de Saude da Polana Caniço, onde foi instalado um dos laboratórios com este serviço.
Outro projecto a destacar e que implementado sob a minha coordenação foi o projecto MOPA, uma plataforma de monitoria participativa na gestão de resíduos sólidos na cidade de Maputo, em 2015. O MOPA foi desenvolvido em parceria com Tmcel, que disponibilizou a título gratuito a plataforma tecnológica USSD para o seu funcionamento. Este projecto, permite identificar e reportar problemas relacionados com a gestão de lixo, tornando possível a intervenção dos diversos actores, tais como o município, colectores privados de lixo e o cidadão.
Este projecto teve como parceiros a UX – User Experience, uma startup Moçambicana, o Banco Mundial e, para além da mcel, o Conselho Municipal de Maputo e a organização não-governamental Livaningo.
Recordo-me na altura, que quando a startup apareceu na empresa para falar do projecto foi um sim do meu lado, mesmo antes de submeter à aprovação superior. Foi perceber o impacto e resultado, a dimensão do projecto e ter a convicção de que devíamos sem dúvidas abraçar o projecto e termos a nossa marca associada ao projecto e foi aí que o parceiro disse que já tinha feito vários contactos e tentativas de abordar o projecto mas não tinham siso encaminhados à área certa e naquele momento, pela primeira vez, sentia que estava no lugar certo e com a pessoa certa para que o projecto fosse implementado e concretizado.
O impacto foi maior ainda, quando o projecto mereceu um prémio mundial da Global Innovation Competition, uma competição que teve lugar em Accra, capital do Gana, que tinha como objectivo identificar as melhores tecnologias focadas na participação pública e no engajamento dos cidadãos nos continentes africano e asiático. Foi uma satisfação enorme saber que fizemos parte, como empresa, de um projecto de tamanha dimensão, que acreditamos no projecto, apoiamos e o impacto foi acima das expectativas.
PM: Como a Tmcel assegura que suas acções de responsabilidade social estejam alinhadas com as necessidades reais das comunidades onde actua?
FM: A empresa tem políticas e procedimentos internos que servem de guiões de orientação para as acções de responsabilidade social. Nestes documentos, constam alguns critérios e directrizes que conduzem a empresa na implementação dos projectos de responsabilidade social. Por outro lado, é também feito um trabalho de auscultação junto dos líderes comunitários e diálogo com as comunidades beneficiárias, de forma a perceber das próprias comunidades as reais necessidades e fazer com que as acções respondam exactamente às necessidades apontadas por eles.
É também nestes casos, importante fazer-se o estudo de viabilidade técnico e identificar potencialidades antes da implementação de algum projecto de forma que as acções pensadas tenham os resultados pretendidos. Posso citar um exemplo de um projecto cujo estudo de viabilidade não foi devidamente feito por uma das partes e instalou-se uma sala de informática devidamente equipada num distrito em que provavelmente aquela não era a real necessidade ou prioridade da comunidade, e por esta razão a sala chegou a ficar mais de um ano sem ter sido usada, chegando a danificar grande parte do equipamento informático que tinha sido instalado.
Temos este e muitos outros exemplos de projectos nas comunidades que quando não é feito o devido trabalho de campo prévio, de auscultação e diálogo com as comunidades beneficiárias, deparámo-nos com estas situações críticas. Portanto, o melhor é envolver todos os interessados, principalmente os beneficiários de tais acções.
PM: Como estão os indicadores de ESG na instituição onde está vinculada, e quais têm sido os seus impactos?
FM: Empresas que investem em boas práticas de ESG facilitam o caminho para fidelizar clientes e reduzir custos de operação e o primeiro passo para investir nesta direcção é buscar informações e olhar para o negócio, identificando boas práticas que contribuam para garantir a reputação e imagem da empresa.
Os indicadores de ESG podem ter vários benefícios para a empresa como por exemplo melhorar a imagem da marca, reduzir riscos e aumentar a eficiência nos processos. No entanto, é importante notar que cada empresa é única e as vantagens podem variar de acordo com o sector e tamanho da empresa, entre outros factores. No que diz respeito à práticas sociais, podemos destacar algumas práticas, nomeadamente, valorização da saúde e segurança no ambiente de trabalho, diversidade e inclusão e o posicionamento da empresa em causas sociais.
Os indicadores de ESG devem estar acima do lucro e integrar questões ambientais, sociais e de governança na estratégia e operações da empresa, demonstrando um compromisso genuíno com um futuro sustentável e ético. Por isso, a empresa tem os seus indicadores alinhados à políticas internas e boas práticas de gestão traçadas pela empresa dentro dos objectivos a visão estratégica definida. Neste processo, todos os intervenientes são consciencializados sobre a sua importância para que participem nos processos de implementação de soluções.