Profile Mozambique: Considerando a longa trajectória do Grupo JFS no sector agrícola moçambicano, como a empresa tem adaptado suas práticas agrícolas para enfrentar os desafios actuais do mercado de algodão em Moçambique, garantindo sustentabilidade e benefícios para os pequenos agricultores com os quais colabora?
Francisco dos Santos: Fundado em 1897, o Grupo JFS é um dos grupos empresariais mais antigos de Moçambique, mantendo operações contínuas mesmo durante períodos desafiadores, como a independência e a guerra civil. A nossa abordagem de agricultura de fomento, implementada desde os primórdios, destaca-se pela colaboração com cerca de 40.000 pequenos agricultores.
Oferecemos crédito sem juros para insumos, além de treinamento e assistência técnica, facilitando também o acesso a certificações internacionais. Este modelo assegura que os agricultores recebam aproximadamente 60% do valor de exportação da fibra FOB, conforme os preços mínimos definidos pelo Governo de Moçambique.
O mercado de algodão tem passado por altos e baixos ao longo dos anos, mas continuamos comprometidos com práticas agrícolas regenerativas e sustentáveis, como evidenciado pela recente certificação Regenagri que obtivemos
PM: Tendo em conta que a fusão entre a JFS e o M-Pesa visa integrar serviços financeiros móveis ao sector agrícola, facilitando a inclusão financeira e o desenvolvimento sustentável das comunidades rurais, quais são os principais desafios que vocês antecipam na implementação desta parceria, especialmente no que concerne à adaptação tecnológica dos agricultores e à infraestrutura necessária nas zonas rurais?
FS: A parceria entre a JFS e o M-Pesa representa uma parceria estratégica entre duas empresas de sectores distintos, mas com um elemento comum, uma forte ligação à população, especialmente aquela que reside em áreas rurais e opera no sector informal. Ambas as entidades servem como pontes que conectam milhares de famílias ao mercado formal. A JFS, com uma longa história de colaboração com agricultores familiares, oferece-lhes assistência técnica, formação e insumos a crédito, estabelecendo relações de confiança mesmo com aqueles que não possuem documentação formal.
Por outro lado, o M-Pesa, com sua robusta base tecnológica e experiência regional, facilita a inclusão financeira através de serviços móveis. Esta parceria visa proporcionar soluções que promovam o desenvolvimento e o bem-estar das comunidades rurais, alinhando-se com o compromisso de longo prazo da JFS para o desenvolvimento sustentável dessas comunidades.
Através desta colaboração, os agricultores terão acesso a serviços financeiros essenciais que lhes permitirão planear melhor as suas colheitas, poupar para o futuro e investir no crescimento dos seus negócios. Ademais, a iniciativa prevê a criação de uma rede de agentes e comerciantes M-Pesa nas zonas onde a JFS opera, permitindo que os agricultores utilizem os seus fundos electrónicos para adquirir bens e serviços essenciais sem necessidade de longas deslocações para efectuar transacções.
PM: Que estratégias específicas a JFS está a implementar para melhorar a qualidade e a produtividade do algodão moçambicano e influenciar na competitividade?
FS: Praticamente todo o algodão que produzimos, cerca de 99,9%, é exportado. Isso ocorre porque perdemos a nossa indústria têxtil. Para quem não está familiarizado, o processo começa com a colheita do algodão caroço no campo. Em seguida, nas fábricas, a fibra é separada da semente. Essa fibra é exportada para a indústria que produz o fio, conhecida como fiação. Depois, há a tecelagem, que fabrica o tecido, e, por fim, a confecção, que produz as peças de vestuário.
Embora Moçambique ainda tenha actividade no sector de confecção, dependemos da importação de tecidos, já que perdemos a capacidade de fiação e tecelagem em larga escala. Já tivemos essas indústrias no país, mas elas se perderam ao longo do tempo. Isso representa uma grande oportunidade, pois o valor agregado da fibra até uma camiseta vendida a 200 meticais é cerca de dez vezes maior. Sem mencionar os subprodutos do algodão, como as sementes, que podem ser usadas para óleo e outros fins. Portanto, trata-se de uma cadeia de valor muito importante.
Actualmente, como não temos uma indústria têxtil, o algodão é exportado para regiões onde essa indústria está concentrada, principalmente na Ásia. Países como Bangladesh, Paquistão e Vietnã são os principais destinos. Há também alguns países africanos, como as Maurícias, que conseguiram desenvolver suas indústrias têxteis e estão relativamente próximos de nós. No entanto, devido aos custos logísticos e à nossa localização geográfica, nossa logística está mais direccionada para a Ásia.
PM: Quais são os principais desafios que o sector algodoeiro enfrenta actualmente em Moçambique, considerando factores como a volatilidade dos preços internacionais, as mudanças climáticas e a necessidade de modernização das infraestruturas locais?
FS: A indústria do algodão em Moçambique enfrenta desafios significativos, especialmente devido às políticas globais que subsidiam a produção de algodão em outros países. Esses subsídios resultam em preços mais baixos no mercado internacional, tornando difícil para os produtores moçambicanos competirem de forma justa.
Apesar desses obstáculos, o algodão permanece uma cultura resiliente e fundamental para a agricultura familiar no país. As empresas fornecem insumos a crédito, assistência técnica e implementam certificações de qualidade, beneficiando não apenas a produção de algodão, mas também outras culturas associadas, como milho e feijão. Além disso, iniciativas governamentais, como subsídios de cinco meticais por quilograma de algodão, têm sido implementadas para estabilizar os preços e apoiar cerca de 600 mil agricultores, incentivando uma “cultura de confiança” no sector.
Essas medidas visam promover o desenvolvimento holístico das zonas rurais, integrando serviços financeiros, acesso à energia eléctrica e outras infraestruturas essenciais.