O relançamento dos projectos de Gás Natural Liquefeito (GNL) na Bacia do Rovuma está a reabrir espaço para a participação das Pequenas e Médias Empresas (PMEs) moçambicanas na cadeia de valor do sector. A revisão do quadro regulatório da Lei dos Petróleos (Lei n.º 21/2014) ao recente Diploma Ministerial 55/2024, do Ministério dos Recursos Minerais e Energia reforça a obrigatoriedade de contratação de bens, serviços e mão-de-obra nacional, colocando o conteúdo local no centro das operações.
Quadro jurídico renovado e atenção ao conteúdo local
A base legal para a participação de empresas nacionais no sector de petróleo e gás remonta à Lei dos Petróleos (Lei n.º 21/2014, de 18 de Agosto), que definia regras gerais para operações petrolíferas.
Mais recentemente, a publicação do Diploma Ministerial 55/2024 (DM 55/2024), pelo Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME), clarificou as obrigações das concessionárias em matéria de conteúdo local desde a contratação de bens e serviços nacionais e mão-de-obra moçambicana, à formação e preferência por fornecedores locais.
Ademais, encontra-se em preparação uma proposta de lei específica de conteúdo local para a indústria de Oil & Gas, que prevê a criação de uma agência reguladora, mecanismos de fiscalização e relatórios obrigatórios sobre o grau de participação nacional.

Este conjunto de normas e projectos legislativos representa um esforço do Estado para institucionalizar e tornar vinculativas as exigências de participação nacional nos megaprojectos respondendo a críticas de que, por vezes, o conteúdo local ficava apenas como compromisso voluntário.
Desafios e exigências para as PMEs
Apesar do enquadramento regulatório, a transição de PMEs para fornecedores de bens e serviços no sector exige uma preparação rigorosa. As exigências técnicas das operadoras incluem certificações internacionais de qualidade, segurança e ambiente, requisitos que vão muito além da capacidade de muitas empresas nacionais. Analistas apontam que, sem esse nível de exigência, torna-se difícil garantir contratos de valor elevado e sustentáveis.
A necessidade de capacidade financeira robusta é outro obstáculo. Os projectos de Gás Natural Liquefeito (GNL) envolvem cronogramas longos, garantias financeiras, requisitos de capital de giro e riscos elevados. Para que muitas PMEs possam competir, será necessário o acesso a linhas de crédito dedicadas, factoring, garantias de performance e instrumentos de mitigação de risco. Até agora, estes mecanismos continuam pouco acessíveis a negócios de menor escala.
Também se destaca a urgência de fortalecer a qualificação técnica da mão-de-obra nacional. O sucesso de uma integração efectiva depende da existência de quadros formados em segurança industrial, manutenção, logística, gestão de projectos e sistemas de qualidade, áreas nas quais o país ainda carece de oferta formativa adequada e em escala.
O papel das operadoras, do Estado e da sociedade empresarial

Para garantir que o conteúdo local deixe de ser mero discurso e se transforme em participação real das PMEs, é fundamental uma actuação coordenada dos diversos actores, Estado, concessionárias, instituições financeiras e associações empresariais. A proposta de lei de conteúdo local prevê a criação de um órgão regulador com poderes para monitorar contratos, aferir cumprimento e aplicar sanções.
Igualmente importante será a implementação de plataformas digitais de registo de fornecedores nacionais, para aumentar transparência, reduzir barreiras de entrada e facilitar processos de adjudicação. Estudos de casos anteriores mostram que a fragmentação de informação e a falta de visibilidade das PMEs são barreiras estruturais ao desenvolvimento do conteúdo local.
Por outro lado, as operadoras de GNL como as que actuam na Bacia do Rovuma têm manifestado compromisso público com a política de conteúdo local, envolvendo contratação e formação de mão-de-obra moçambicana e aquisição de bens e serviços nacionais. A efectividade destes compromissos depende, todavia, da capacidade técnica e administrativa das PMEs a serem contratadas.
Uma oportunidade que pode redefinir a economia nacional
O relançamento dos projectos de gás natural, somado à consolidação de um quadro legal mais robusto, coloca Moçambique diante de uma oportunidade histórica de industrialização e diversificação económica. Se as PMEs nacionais conseguirem superar os desafios, com apoio técnico, financeiro e institucional, poderão tornar-se núcleos de desenvolvimento regional, gerando emprego, valor acrescentado e dinamizando sectores além do energético, como logística, engenharia, construção, serviços técnicos e formação profissional.
Mas este cenário depende de acções concretas, adesão à lei, acesso a financiamento, qualificação de quadros e compromisso das grandes concessionárias com a transferência de tecnologia. Só assim o conteúdo local poderá cumprir seu papel de catalisador de crescimento sustentável. (PROFILE MOZAMBQUE)



