Quarta-feira, Janeiro 15, 2025
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Huruda D’Castro: “O CFO é que deve garantir que configurações de ESG sejam integradas na estratégia corporativa da empresa”

Huruda D’Castro Malungane, é profissional em finanças cujo maior objectivo é moldar  o futuro das finanças em Moçambique como Directora de Finanças, Risco e Compliance. Como fundadora da primeira comunidade de CFOs do país e apaixonada por sustentabilidade, busca liderar a integração de princípios ESG nas práticas financeiras.

Profile Mozambique: Quais são os principais desafios que as empresas em Moçambique enfrentam na implementação de práticas ESG?

Huruda D’Castro: A introdução das práticas ESG em Moçambique ainda está num processo de evolução, como ocorre em grande parte do mundo, especialmente nos países em desenvolvimento. No entanto, Moçambique enfrenta desafios específicos devido à relevância destas práticas num país rico em recursos naturais e com elevado potencial de atracção de investimentos, especialmente nos sectores da mineração, energia e agricultura. Um dos principais obstáculos reside na fraca consideração das práticas sustentáveis por parte dos investidores internos, o que limita o impacto e a adopção destas iniciativas.

Os desafios podem ser divididos em duas grandes áreas. O primeiro refere-se à consciencialização e capacitação. Muitas organizações em Moçambique interpretam o ESG apenas como responsabilidade social corporativa (RSC), o que é uma visão limitada, pois a RSC é apenas uma parte do ESG. Ademais, poucas empresas reconhecem o ESG como uma oportunidade estratégica que, quando bem implementada, pode colocá-las em vantagem competitiva perante os seus concorrentes. Existe também uma lacuna significativa na capacitação de agentes locais, o que dificulta a adopção efectiva destas práticas.

O segundo desafio está relacionado com a falta de regulamentação clara e incentivos específicos. Apesar da existência de políticas como a Estratégia Nacional de Desenvolvimento e a Política Nacional do Ambiente, estas apresentam directrizes gerais e carecem de mecanismos robustos de monitorização e avaliação. A falta de coordenação integrada entre as entidades reguladoras agrava a situação, resultando numa actuação desarticulada e pouco eficaz.

Adicionalmente, a ausência de incentivos concretos, como benefícios fiscais ou aduaneiros, desmotiva as empresas a investir em práticas sustentáveis. Sem garantias de retorno tangível sobre o investimento requerido para implementar estas práticas, muitas empresas não as percebem como vantajosas ou estratégicas.

PM: Como a falta de regulamentação e incentivos governamentais impacta a adopção de ESG pelas empresas locais?

HDC: Os incentivos governamentais têm como objectivo fundamental levar as empresas a adoptarem determinadas práticas. É sabido que grande parte dos custos empresariais são, muitas vezes, tributáveis, e que uma redução desses custos se traduz directamente em maiores lucros.

Em Moçambique, especificamente neste contexto, existe uma plataforma denominada Sistema de Incentivos ao Investimento, criada para apoiar e atrair investimentos. Este sistema engloba quatro componentes principais: incentivos fiscais, incentivos aduaneiros, medidas relacionadas com a repatriação do capital investido localmente e dos lucros obtidos, e, por último, uma garantia de segurança e protecção por parte do Estado moçambicano para esses investimentos.

Ao incorporar critérios ESG neste sistema, todas as empresas que adoptarem estas práticas podem beneficiar, sobretudo, de vantagens fiscais, que fazem parte desta plataforma, bem como de incentivos aduaneiros. Por exemplo, uma empresa que opera no sector agrícola pode beneficiar de uma redução substancial na taxa de imposto sobre o rendimento corporativo. Em vez de pagar a taxa habitual de 32%, pode pagar uma percentagem significativamente inferior.

Este sistema cria condições que incentivam as empresas a adoptar práticas ESG, tornando-as mais inclinadas a fazê-lo, seja pelos benefícios fiscais, pelos incentivos ao investimento ou pelas facilidades na repatriação de lucros, um aspecto particularmente relevante para as empresas que investem em Moçambique.

Papel dos CFOs na implementação de ESG

PM: Qual é o papel dos CFOs na integração de práticas ESG nas estratégias corporativas?

HDC: O CFO desempenha um papel crucial na integração de práticas ESG nas estratégias corporativas. Cabe-lhe assegurar que essas práticas sejam incorporadas na estratégia de longo prazo da empresa, seja ela de 3, 5, 10 ou 20 anos. Essa integração significa que as decisões empresariais, financeiras ou não, devem considerar não apenas o retorno financeiro, mas também o impacto ambiental e social. Por exemplo, na avaliação de novos investimentos, o CFO deve identificar e comunicar os riscos e oportunidades associados às práticas ESG.

Um exemplo notável é o caso da PepsiCo, uma das pioneiras em iniciativas ESG. A empresa deixou de produzir itens prejudiciais à saúde, contando com médicos nas suas fábricas para garantir que todos os produtos sejam seguros para os consumidores e para o meio ambiente. Este exemplo demonstra a importância de alinhar as práticas corporativas aos princípios ESG.

Outro papel relevante do CFO nesta área é garantir a transparência nas operações e nos relatórios empresariais. O CFO é o principal responsável pela apresentação dos relatórios financeiros e não financeiros da empresa, e, cada vez mais, é essencial que estes incluam informações detalhadas sobre as actividades relacionadas com ESG. Por exemplo, na África do Sul, a iniciativa “Just-In-Time Transition” avalia o impacto ambiental das empresas de carvão, medindo as emissões de dióxido de carbono e os efeitos na saúde das comunidades. Este tipo de monitorização permite responsabilizar as empresas por possíveis danos, como os causados por emissões nocivas.

Adicionalmente, o CFO tem um papel fundamental na gestão e mitigação de riscos, sejam eles financeiros ou não. Riscos regulamentares associados à não conformidade com normas ambientais podem ter consequências significativas, tanto qualitativas como quantitativas. Empresas que não seguem práticas ESG podem receber classificações de risco negativas, dificultando o acesso a investimentos ou financiamento. A presença de um CFO comprometido com a integração das práticas ESG garante que as análises de risco sejam realizadas e que a empresa esteja preparada para enfrentar esses desafios.

Por fim, o CFO deve assegurar a alocação de recursos financeiros para implementar práticas ESG. Apesar de algumas empresas não reconhecerem de imediato o valor de tal investimento, o CFO pode demonstrar como essa alocação estratégica protege a empresa e aumenta a sua competitividade no mercado.

Em linhas gerais, o CFO é um agente fundamental para a incorporação das práticas ESG nas estratégias corporativas, promovendo transparência, mitigação de riscos e sustentabilidade financeira.

Benefícios e desafios da implementação de ESG

PM: Quais são os benefícios tangíveis e intangíveis para as empresas que adoptam práticas ESG em Moçambique?

HDC: HDC: No nosso contexto, o primeiro benefício das práticas ESG é a atracção de investimentos. Actualmente, investidores e clientes estão cada vez mais preocupados em aplicar o seu capital em empresas que promovem práticas sustentáveis. Uma empresa que gere boas receitas, mas que causa danos significativos à população local ou às comunidades vizinhas, dificilmente conseguirá captar investidores. Caso não exista controlo sobre o impacto da produção, é pouco provável que o negócio atraia capital. Por outro lado, a implementação de práticas ESG pode abrir portas a novos fluxos de capital e investimentos, fortalecendo a posição da empresa.

Em Moçambique, a maioria das empresas que contribuem substancialmente para o desenvolvimento económico do país são multinacionais. Trabalhar com estas organizações exige que os fornecedores adoptem práticas alinhadas aos seus padrões e valores. Empresas como a ENI, MOZAL, SASOL e Rovuma Basin requerem que os seus parceiros apresentem uma postura e cultura organizacional que reflictam um compromisso com a sustentabilidade. Ao adoptar práticas ESG, as empresas locais demonstram um nível de reputação e de valorização da sua marca que lhes confere maior credibilidade. Isto cria uma ligação mais forte com os seus investidores e consumidores, que se sentem atraídos pela preocupação com a sustentabilidade.

Ademais, a implementação de práticas sustentáveis pode ajudar as empresas a reduzir custos operacionais. Ainda que a sustentabilidade não seja o foco inicial, a adopção dessas práticas tende a optimizar a estrutura de custos da organização, tornando-a mais eficiente no longo prazo.

Acompanhe o percurso profissional da Huruda DˈCastro aqui.

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