Segunda-feira, Setembro 8, 2025
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José Nhampossa: “Transformar o país no epicentro regional de inovação e soberania digital é a visão estratégica da ENCPT”

Profile Mozambique: Soberania digital é hoje um dos temas centrais para qualquer nação. Que medidas concretas podem ser tomadas para garantir a soberania e a resiliência digital em Moçambique, num cenário de crescente dependência tecnológica?

José Nhampossa: Em Moçambique, encaramos a questão dos dados com a devida seriedade, pois reconhecemos que assumem hoje um valor comparável ao do petróleo. Tal como o recurso mineral, os dados precisam de ser extraídos, refinados e geridos com responsabilidade. A grande diferença é que, ao contrário da dependência dos recursos naturais como gás, petróleo, ouro ou rubis, temos a oportunidade de acelerar o nosso desenvolvimento económico alicerçados no potencial transformador dos dados.

Contudo, para que esse valor permaneça no país, temos de adoptar medidas concretas. Entre os principais desafios, identificamos a falta de infra-estruturas adequadas e acessíveis, tanto para cidadãos como para pequenas e médias empresas e instituições públicas. Sem infra-estruturas sólidas, a recolha, análise e gestão de dados ficam comprometidas, reduzindo a nossa capacidade de prever cenários e apoiar decisões estratégicas.

José Nhampossa, Administrador Executivo para o Pelouro de Ciência, Tecnologia e Inovação da Empresa Nacional de Parques de Ciência e Tecnologia – ENPCT, E.P.

Outro entrave prende-se com a ausência de interoperabilidade entre sistemas públicos e privados, o que gera fragmentação, dificulta a partilha de recursos e compromete a eficácia da governação digital. Hoje, enfrentamos uma dispersão de plataformas e sistemas que não comunicam entre si, dificultando o acesso e a valorização dos dados. Este é um dos pontos críticos que precisamos de superar.

Para além da interoperabilidade, temos de reconhecer a fragilidade das chamadas infraestruturas críticas, que carecem de georreferenciação para apoiar a tomada de decisões em áreas como educação, saúde, agricultura, turismo e até na prevenção de fenómenos climáticos extremos.

PM: Uma das linhas de actuação da Empresa Nacional de Parques de Ciência e Tecnologia – ENPCT, E.P., é a promoção da inovação. Que iniciativas estão em curso para apoiar startups tecnológicas em Moçambique e que impacto espera que estas tenham no desenvolvimento económico nacional?

JN: Na ENPCT, temos vindo a concentrar os nossos esforços no Parque de Ciência e Tecnologia de Maluana, onde instalamos um Centro de Inovação e Desenvolvimento Tecnológico. Este centro assume-se como um espaço de convergência entre a pesquisa científica, o empreendedorismo e o desenvolvimento tecnológico, criando condições para a incubação de startups e empresas emergentes.

Actualmente, contamos com 15 incubadoras que actuam em áreas estratégicas como agropecuária, construção civil, saneamento, reaproveitamento de resíduos sólidos e transformação digital. Destaco, por exemplo, uma startup que recolhe materiais reciclados, incluindo redes de pesca descartadas no mar, e, através de tecnologia 3D, produz próteses e cadeiras de rodas. Outra iniciativa relevante é a produção de computadores alimentados a energia solar, com autonomia de até oito horas, concebidos para apoiar o ensino à distância e a inclusão digital em zonas rurais e remotas.

Temos igualmente startups que desenvolvem sistemas de gestão universitária adaptados à realidade das instituições nacionais, proporcionando ferramentas acessíveis e eficazes para a administração académica e de recursos humanos. Noutra vertente, registamos iniciativas que apostam na transformação de produtos locais, como a manteiga de amendoim produzida a partir de máquinas fabricadas em Moçambique, gerando valor acrescentado e promovendo o espírito de inovação local.

Assinatura oficial do Memorando de Entendimento (MoU) entre a ENPCT e a Machel Fidus

Para além da incubação de startups, estamos a apostar na transformação digital através de soluções como o SIGDOC/FASTDOC, uma plataforma electrónica de gestão documental que optimiza processos, aumenta a produtividade e contribui para a modernização das organizações. Associado a estas iniciativas, oferecemos programas de formação e capacitação em tecnologias de informação e comunicação, com certificação internacional, com o objectivo de preparar jovens e profissionais para inovar de forma competitiva.

Estamos conscientes, contudo, de que enfrentamos desafios estruturais. A escassez de investimentos limita a expansão do nosso trabalho, dado que somos uma empresa pública dependente dos desembolsos do Estado, que, por sua vez, tem múltiplas prioridades. Acresce ainda a percepção de distância geográfica do Parque de Maluana, localizado a cerca de 60 quilómetros da Cidade de Maputo, o que, sem uma estratégia de comunicação robusta, tende a retrair parte dos jovens empreendedores.

PM: Considerando o rápido avanço das tecnologias emergentes, como Inteligência Artificial e Blockchain, de que forma o país pode posicionar-se para não ficar para trás e, ao mesmo tempo, garantir que a inovação beneficie um crescimento inclusivo?

JN: Quando falamos do rápido avanço das tecnologias emergentes, como a Inteligência Artificial, Blockchain ou 5G, estamos perante um cenário de grandes oportunidades, mas também de desafios estruturais. Estas ferramentas têm potencial para impulsionar a produtividade, estimular a inclusão social e dinamizar o crescimento económico, mas exigem de nós estratégias claras para garantir que os seus benefícios sejam amplamente partilhados.

No nosso entender, Moçambique deve posicionar-se para capitalizar estas tecnologias no sentido de reduzir desigualdades, atrair investimento e consolidar-se como um hub regional de inovação. Sectores como educação, saúde e agricultura podem transformar-se de forma significativa com a adopção de soluções digitais. Na agricultura, por exemplo, drones podem optimizar a produção; na saúde, o uso de prontuários electrónicos pode ampliar o acesso; e, na educação, as plataformas de ensino à distância, associadas a tecnologias como computadores solares, podem democratizar o conhecimento, sobretudo nas zonas rurais.

Reconhecemos, no entanto, que a adopção desigual destas tecnologias pode acentuar a exclusão digital, principalmente num país onde a taxa de penetração da internet ainda é baixa. Por isso, é fundamental investir em infra-estrutura digital, capacitação de competências e regulamentação robusta, que assegurem ética, segurança e confiança no ambiente digital. A experiência recente do Centro Nacional de Resposta a Incidentes (CERT), que conseguiu neutralizar milhares de ataques cibernéticos, demonstra a importância de reforçarmos continuamente a resiliência cibernética.

Também acreditamos que a inovação deve caminhar de mãos dadas com a inclusão. As startups incubadas no Parque de Ciência e Tecnologia, que desenvolvem soluções como próteses em 3D ou cadeiras de rodas acessíveis, são um exemplo concreto de como a tecnologia pode gerar impacto social, criar empregos e atrair investimento internacional.

PM: Por fim, olhando para o futuro, qual é a sua visão sobre o papel que Moçambique pode desempenhar no ecossistema regional de ciência, tecnologia e inovação, e que metas a ENPCT definiu para alcançar esse posicionamento?

JN: Quando olhamos para o futuro, acreditamos que Moçambique pode desempenhar um papel central no ecossistema regional de ciência, tecnologia e inovação. O nosso país dispõe de recursos estratégicos, corredores logísticos de grande importância como o de Nacala, e, sobretudo, de uma visão de transformação digital que aposta na ciência e inovação como motores do desenvolvimento inclusivo e sustentável.

Através do Parque de Ciência e Tecnologia de Maluana, temos condições para exportar soluções inovadoras para a região, desde tecnologias agrícolas e drones de irrigação até plataformas digitais de governação electrónica. Acreditamos que Moçambique pode posicionar-se como fornecedor de recursos, infra-estruturas e conhecimento, liderando projectos regionais em energias renováveis, mineração, inteligência artificial e transformação digital.

As metas que definimos vão nesse sentido. Em primeiro lugar, pretendemos acelerar a transformação digital com a implementação de clouds e plataformas que reforcem a integração de dados e beneficiem a região como um todo. Em paralelo, assumimos o compromisso de investir na capacitação de jovens e profissionais, garantindo uma nova geração preparada para os desafios da ciência e da tecnologia.

Outra prioridade é assegurar a soberania e a segurança digital, reduzindo a dependência externa e fortalecendo a resiliência nacional e regional. Neste domínio, o Parque de Ciência e Tecnologia de Maluana já desenvolve soluções concretas, como computadores solares e plataformas de ensino à distância, que permitem ampliar a inclusão digital, reduzir a taxa de analfabetismo e criar novas oportunidades de empregabilidade.

Queremos ainda promover a cultura de inovação e o fortalecimento do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação. O objectivo é fomentar startups e empresas que possam desenvolver soluções para sectores estratégicos, desde a saúde, como próteses em 3D e dispositivos de acessibilidade, até serviços públicos mais transparentes e eficientes.

No campo da cibersegurança, temos vindo a investir em estruturas como o Centro Nacional de Resposta a Incidentes, que já demonstrou a sua eficácia ao neutralizar milhares de ataques. Este tipo de investimento garante maior confiança na economia digital e cria condições para atrair mais investidores internacionais.

Estamos conscientes de que persistem desafios, como a baixa penetração da internet e os elevados custos de equipamentos. Mas acreditamos que, com investimento contínuo em infraestruturas, parcerias público-privadas e políticas inclusivas, Moçambique pode afirmar-se como referência regional na ciência, tecnologia e inovação, em alinhamento com a Agenda 2063 da União Africana.

Saiba mais aqui: Empresa Nacional de Parques de Ciência e Tecnologia – ENPCT, E.P.

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