Terça-feira, Maio 20, 2025
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Quais são os limites da efectividade da política monetária em Moçambique?

A efectividade da política monetária em países menos desenvolvidos como Moçambique é um assunto complexo, com diferentes factores que afetam sua eficácia. No caso de Moçambique, a política monetária é frequentemente utilizada para controlar a inflação e garantir a estabilidade do sistema financeiro, mas sua capacidade de alcançar outros objetivos, como o crescimento económico, continua sendo limitada.

A política monetária pode ser menos eficaz em estimular o crescimento económico e controlar a inflação nestes países, comparativamente aos países desenvolvidos. O ano de 2024 trouxe grandes desafios para Moçambique, tanto na política monetária quanto na política fiscal. Após dois anos de recuperação sólida, com crescimentos de 4,9% em 2022 e 5,4% em 2023, a economia moçambicana desacelerou abruptamente para apenas 1,8% em 2024. Isso ocorreu apesar da redução do custo do crédito no mercado, da inflação controlada em níveis de um dígito e da estabilidade do metical em relação ao dólar americano. As recentes projecções apontam para uma ligeira recuperação da economia para níveis de 3%, sustentado pela normalização da situação social e o crescimento do sector dos serviços.

O abrandamento do crescimento económico é derivado dos desafios estruturais, cambiais, regulatórios, fiscal e de confiança que o país ainda enfrenta, conjugado com o impacto dos incidentes de tensão política pós-eleitoral, que aumentaram a incerteza, interrompendo cadeias logísticas; da tensão política militar em Cabo Delgado, adiando os projetos de gás; bem como dos efeitos das alterações climáticas, que continuam sendo um entrave na economia moçambicana. Estes fatores contribuíram negativamente para o ambiente de negócios e para a redução do fluxo de capital externo.

No primeiro trimestre de 2025, escassez de divisas agravou-se de forma, com a oferta de moeda estrangeira a cair cerca de 30% entre fevereiro de 2024 e fevereiro de 2025, atingindo um backlog de USD600 milhões, segundo dados do mercado, deste modo importador de bens essenciais viram-se forçados a cancelar ou adiar encomendas, com impacto directo sobre cadeias produtivas e abastecimento urbano.

Diante deste cenário, O Banco de Moçambique introduziu algumas medidas: – no lado monetário: redução do coeficiente de reservas obrigatórias em moeda local e estrangeira, de 39% e 39.5% para 29% e 29.5%, respetivamente, visando proporcionar maior liquidez por parte dos bancos comerciais para empréstimos com finalidades de consumo e investimento das famílias e do sector privado, permanente redução da Taxa MIMO no mercado, de 16.5% para 11.75% em Março de 2025 (YoY); – No lado cambial, aumento da obrigatoriedade de conversão de receitas de exportação de 30% para 50%, e imposição de 100% de conversão nas reexportações de combustíveis; – no lado prudencial, reduz temporariamente os níveis mínimos de provisões exigidas para créditos vencidos.

Limitantes do efeito das Decisões de política monetária do Banco Central na economia

As taxas de juro podem ter uma influência substancial sobre a taxa e o padrão de crescimento económico, influenciando o volume e a produtividade do investimento, bem como o volume e a disposição da poupança. No entanto, isto é especialmente verdade em países onde os mercados financeiros estão relativamente bem desenvolvidos ou onde o investimento privado constitui uma parte significativa do investimento total, para o caso de Moçambique que ainda enfrenta desafios estruturais, a relação crédito/PIB permaneceu estagnada em torno de 18%.

Apesar de níveis confortáveis de liquidez e capital, os bancos mantêm-se avessos ao risco de crédito produtivo, preferindo a segurança dos títulos do Tesouro. Com uma dívida pública acima de 77% do PIB, e juros internos a representar mais de 70% do custo total da dívida, o Estado continua a absorver grande parte da liquidez disponível no sistema financeiro. Este fenómeno agrava o crowding out e limita o espaço para financiamento ao sector privado, contrariando o cenário de redução das taxas de referência no mercado.

A economia ainda se ressente dos efeitos das tensões políticas, com um nível de incerteza elevado por parte dos investidores, aliado a falta de incentivos fiscais para a recuperação do sector privado. A inflação homóloga, embora estável, desde início de 2025, tem demostrando uma tendência crescente, com expectativas de maior aumento a médio-longo prazo, tendo atingido 4.77% em Março, podendo contribuir para redução da poupança-investimento na economia.

O risco de crédito do país deteriorou significativamente reduzindo o Índice de Investimento directo ao estrangeiro, após a nota da Standard Poors (S&P) em outubro de 2024, com o downgrade em moeda local de longo prazo de CCC+ para CCC, derivado das pressões fiscais. Em fevereiro de 2025, foi a vez da Fitch Ratings, rebaixando a classificação de Moçambique de ‘CCC+’ para ‘CCC’, em divida denominado em moeda estrangeira á longo prazo.

O reforço da conversão cambial obrigatória e a redução temporária das provisões prudenciais, embora crie um alívio assintomático, pode acarretar riscos como: penalização de exportadores (exportadores podem enfrentar dificuldades devido à menor disponibilidade de divisas para reinvestimento); distorções de mercado (a medida pode criar distorções no mercado cambial, afetando a competitividade das exportações) e dependência de instrumentos administrativos.

A realidade cambial actual mostra uma forte concentração de fluxos cambiais em poucos actores económicos. Estima-se que mais de metade do volume de moeda estrangeira transacionado em 2024 tenha tido origem em apenas três a cinco grandes exportadores, sobretudo dos sectores de energia, alumínio e mineração. Esta elevada concentração torna o sistema cambial nacional vulnerável a choques sectoriais, decisões operacionais individuais e atrasos logísticos localizados.

A falta de flexibilidade da taxa de câmbio também prejudica a eficácia do mecanismo de transmissão da taxa de juro. Permitir que a taxa de câmbio flutue permite que a taxa de política do banco central seja o principal instrumento de política monetária, envia sinais de política mais claros aos participantes no mercado e aumenta a independência da política monetária.

O Pais ainda apresenta um défice da conta corrente estrutural, refletindo desequilíbrios económicos mais profundos, como a dependência de importações de bens de capital e serviços essenciais. Isso sugere que o aumento das exportações, embora possa ser positivo, não é suficiente para resolver esses desequilíbrios estruturais. Por exemplo, de acordo com relatório de Balança de pagamentos (III trim, 2024), as exportações aumentaram em 3.7%, de USD 5.9milhões (III trim, 2023) para USD 6.2milhões (III, trim, 2024). No entanto, teve um impacto não significativo no défice da conta corrente, que continua elevado, tendo somente contraído em 1.3%.

 

Notas Conclusivas

A política monetária em Moçambique enfrenta limitações significativas devido a desafios estruturais, incertezas políticas e económicas, e um sistema financeiro subdesenvolvido. Para melhorar a eficácia da política monetária, é essencial abordar esses desafios estruturais, promover um ambiente de negócios mais estável e competitivo, e implementar políticas económicas que incentivem o investimento privado e a diversificação económica. Somente assim será possível alcançar um crescimento econômico sustentável e reduzir os desequilíbrios econômicos que afetam o país.

A gestão da política monetária dever ser complementada por acções no sector real da economia, para um melhor controlo da inflação e impulsionar o crescimento económico. Assim sugere-se uma reforma no papel do Banco Central, actuando não somente sobre o controlo e estabilidade dos preços, mas sim, também em acções concretas com vista reduzir o desemprego e impulsionar o crescimento económico. Na prática, a política monetária busca equilibrar a necessidade de controlar a inflação com a necessidade de estimular o crescimento económico e o emprego.

Artigo por: Paulo Matavela

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