O rand sul-africano atingiu o seu valor mais baixo de sempre em relação ao dólar norte-americano, pressionado pela escalada da guerra comercial iniciada pelos Estados Unidos e pela crescente instabilidade política interna. A moeda sul-africana chegou a ser negociada a 19,9325 rands por dólar, ultrapassando o anterior recorde negativo de Junho de 2023, que era de 19,9075.
Apesar de ter recuperado ligeiramente para 19,81 até ao fecho das bolsas europeias (1533 GMT), a moeda mantinha uma desvalorização diária de 0,2% e acumulava uma perda superior a 3% desde o início da semana.
“Os últimos dias de negociação foram extremamente voláteis, e não há sinais de que esta instabilidade vá terminar tão cedo”, afirmou Danny Greeff, co-director para África da ETM Analytics.
Tarifas globais agravam o sentimento negativo nos mercados
O anúncio de novas tarifas retaliatórias por parte da China e da União Europeia sobre produtos dos EUA aprofundou o clima de incerteza nos mercados internacionais. A acção faz parte da escalada de medidas proteccionistas impulsionadas pela Administração Trump, que já havia imposto tarifas sobre dezenas de parceiros comerciais, desencadeando reacções em cadeia.
Estas tensões comerciais globais afectam economias emergentes como a sul-africana, pela sua elevada exposição a fluxos de investimento estrangeiro e à procura internacional por commodities.
Risco político interno aprofunda desvalorização
Além da pressão externa, o rand foi fortemente penalizado pelas dúvidas sobre a estabilidade do Governo de Unidade Nacional (GNU). As duas principais forças da coligação — o ANC (Congresso Nacional Africano) e a DA (Aliança Democrática) — estão em desacordo sobre o orçamento, com a DA a votar contra a proposta em parlamento e a apresentar um recurso judicial para travar a sua implementação.
Apesar de ambas as formações afirmarem que não romperam formalmente com o acordo de coligação, os investidores temem uma cisão que comprometeria a continuidade de uma agenda económica orientada para o mercado.
“Os investidores começaram a considerar seriamente a hipótese de dissolução do actual GNU”, afirmou Nicky Weimar, economista-chefe do Nedbank.
O cenário político incerto afasta capital de risco, aumenta os custos de financiamento e reduz as expectativas de reformas estruturais que vinham sendo negociadas no âmbito do governo de coligação.
Mercados financeiros reagem com perdas generalizadas
A pressão não se fez sentir apenas na taxa de câmbio. O índice de referência da Bolsa de Joanesburgo, o Top-40 (JTOPI), encerrou a sessão com uma queda de 2%, enquanto o preço dos títulos da dívida pública com vencimento em 2030 caiu, fazendo com que o rendimento (yield) subisse 10,5 pontos base, atingindo 9,305%.
Estes movimentos indicam vendas massivas de activos sul-africanos e uma fuga de capitais para mercados considerados mais seguros, como os EUA e a Zona Euro, apesar das suas próprias tensões comerciais.
Tempestade perfeita para o rand
O rand sul-africano está no epicentro de uma tempestade financeira provocada por factores simultâneos: uma guerra comercial global, incerteza na coligação governamental e fragilidades macroeconómicas persistentes. A médio prazo, analistas consideram que a estabilização da moeda dependerá da redução das tensões comerciais entre grandes economias, de garantias institucionais claras sobre a continuidade do GNU, e da retoma do fluxo de capitais e da confiança no compromisso com reformas económicas.
Até lá, o rand continuará sob pressão — e com ele, toda a economia sul-africana.