O Governo de Moçambique está a proceder à revisão da Lei nº 21/2014, de 18 de Agosto, com o intuito de reforçar a participação do Estado nos projectos petrolíferos e estabelecer um quadro regulatório mais claro e abrangente. Esta iniciativa está alinhada com o Plano Quinquenal do Governo, que prevê uma expansão faseada da exploração de hidrocarbonetos, incluindo a atribuição de dez novas áreas de concessão e um aumento dos contratos de pesquisa de sete (7) em 2024 para dezasseis (16) até 2029.
Principais Alterações Propostas
Expansão do Âmbito para Captura e Armazenamento de Carbono (CAC)
A proposta de revisão alarga o âmbito da lei para incluir a captura e armazenamento de carbono (CAC) como parte das operações petrolíferas, reconhecendo explicitamente esta prática no quadro legal. Além disso, confirma-se que as actividades de CAC podem ocorrer além das fronteiras de Moçambique, desde que em conformidade com o direito internacional.
Reforço da Participação do Estado
A actual lei concede ao Estado e à Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH) um papel decisivo nas operações petrolíferas, mas não estabelece uma participação mínima explícita. A proposta de revisão visa conceder ao Estado o direito a uma participação mínima não diluível de 40% nos contratos de concessão que envolvam áreas comprovadas e viáveis, exercida através da ENH. Importa salientar que a participação do Estado será financiada por outros concessionários até ao início da produção.
Fortalecimento dos Poderes Regulatórios e de Auditoria
A proposta de revisão concede à Autoridade Reguladora de Petróleos (geralmente o Instituto Nacional de Petróleos – INP) poderes expandidos e clarificados para supervisão, incluindo a autoridade para supervisionar e auditar as operações petrolíferas a qualquer momento, nomeadamente as reclamações de recuperação de custos. Para tal efeito, o titular dos direitos para realizar operações petrolíferas deverá actualizar periodicamente os relatórios sobre custos recuperáveis, de acordo com os padrões regulatórios estabelecidos, e torná-los disponíveis para inspeção.
Direitos das Comunidades e Responsabilidade Social
A proposta de revisão mantém os princípios fundamentais do quadro actual em relação ao envolvimento e compensação das comunidades. Reforça-se que a consulta prévia às comunidades afectadas deve ser também livre e informada, mantendo-se que a compensação justa deve ser formalizada através de um memorando de entendimento entre o governo, concessionários e comunidades. Os benefícios, como remuneração por melhorias de propriedade e apoio socioeconómico, permanecem inalterados, mas os direitos humanos, a segurança nutricional e pessoal dos afectados devem agora ser expressamente considerados. A principal novidade é a referência explícita ao “reassentamento definitivo”, permitido apenas após confirmação da viabilidade comercial do recurso – uma clarificação alinhada com a prática anterior, mas que pode permitir implicitamente medidas de reassentamento temporário antes dessa fase, levantando assim novas questões sobre o momento e a natureza do deslocamento.
Promoção do Conteúdo Local
A proposta de revisão introduz maior detalhe e especificidade nas obrigações de conteúdo local. Disposições como a exigência de que os concessionários incluam nos seus Planos de Conteúdo Local estratégias de força de trabalho e sucessão para garantir a contratação, formação e promoção progressiva de nacionais moçambicanos em todas as fases do projecto são mantidas, mas agora com maior especificidade e requisitos de implementação mais claros.
A proposta de revisão também obriga os planos de formação destinados a aumentar a participação nacional, exige que entidades jurídicas estrangeiras demonstrem que parcerias com empresas moçambicanas geram valor real dentro do país e envolvem partes interessadas locais, e obriga-as a apresentar planos de transferência de tecnologia.
Ademais, os fabricantes de equipamentos originais que fornecem serviços de operações e manutenção devem agora estabelecer uma presença local através de associações com empresas moçambicanas. Estas medidas podem aumentar os custos operacionais para os operadores e exigir um planeamento cuidadoso para integrar fornecedores locais sem sacrificar a qualidade das operações.
Valorização Nacional e Partilha de Receitas
Outra inovação substancial que ilustra a priorização dos interesses nacionais pelo Estado é o estabelecimento de um preço ajustado localmente para o gás doméstico, a fim de fomentar o crescimento industrial, juntamente com a nova exigência de que todos os condensados sejam alocados à ENH para comercialização, uso e desenvolvimento nacional.
Simultaneamente, a proposta de revisão mantém e clarifica a exigência de que pelo menos 25% da produção (incluindo GNL) deve ser reservada para o mercado doméstico, com a ENH desempenhando um papel central na comercialização desses volumes. Um desenvolvimento adicional, mas que não impõe qualquer encargo aos concessionários, é a alocação de 10% das receitas fiscais do petróleo para as províncias, distritos e comunidades locais que hospedam projectos petrolíferos – uma medida destinada a fomentar o desenvolvimento local e potencialmente contribuir para a melhoria das condições socioeconómicas e políticas nas áreas dos projectos.
Responsabilidade Ambiental
A proposta de revisão não introduz alterações significativas em relação às obrigações ambientais, uma Avaliação de Impacto Ambiental continua a ser obrigatória e deve ser cumprida, e a responsabilidade ambiental continua a aplicar-se onde ocorrer dano. No entanto, introduz responsabilidade objectiva por danos ambientais, incidentes de saúde pública ou danos à infraestrutura resultantes de operações petrolíferas realizadas sem uma licença válida. Também aborda explicitamente os requisitos de segurança da infraestrutura marinha e obriga à criação de fundos de descomissionamento. O critério para estes fundos será regulado em um instrumento legal separado a ser desenvolvido pela autoridade competente.
Novos Mecanismos Contratuais e Renovações
Uma inovação contratual notável é a redução do direito exclusivo de desenvolvimento e produção de 30 para 25 anos, com a possibilidade de renovação por um período igual ou inferior. O que é novo não é apenas o limite temporal expresso, mas também a exigência de que qualquer renovação seja justificada com base em fundamentos técnicos e viabilidade económica, além de alinhamento com o interesse nacional.
Perspectivas e Considerações para Investidores
No geral, a proposta de revisão da Lei de Petróleos de Moçambique visa integrar melhor as operações petrolíferas com os objectivos de desenvolvimento nacional, reforçar a supervisão governamental e aumentar a transparência em todas as fases de exploração e produção.
Na prática, o papel mais forte do Estado, as obrigações obrigatórias de conteúdo local e os requisitos ambientais mais rigorosos provavelmente aumentarão os custos operacionais e adicionarão camadas regulatórias que exigirão planeamento estratégico e sensibilidade para navegar de forma eficaz. No entanto, essas medidas também podem produzir maior clareza regulatória e apoio comunitário, potencialmente sustentando um ambiente operacional mais previsível a longo prazo.
Os stakeholders internacionais de petróleo e gás que consideram empreendimentos em Moçambique são aconselhados a avaliar o impacto total da participação obrigatória do Estado, parcerias locais e requisitos de envolvimento social, equilibrando maiores compromissos financeiros iniciais contra a perspectiva de estabilidade e confiança sustentada do investidor em um cenário de hidrocarbonetos em rápido crescimento.
Fonte: PLMJ