Quarta-feira, Fevereiro 5, 2025
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Velhos e novos ventos na economia moçambicana

Muito recentemente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) escrevia acerca de Mocambique: “Em 2023, a economia moçambicana continuou a recuperar (…), apoiada pelo desenvolvimento no sector extractivo, em particular a plataforma flutuante de GNL do projecto Coral Sul. Está em plena capacidade operacional, o que constitui um grande impulso para a economia.

Prevê-se um crescimento de 5% para 2024. A inflação global diminuiu de forma considerável para 13,8% (…) devido à redução dos preços dos produtos alimentares a nível mundial, à valorização do metical e aos esforços envidados anteriormente pelo banco central no sentido de uma maior restritividade da política monetária.”

Estava assim traçado um cenário optimista e caucionador da política económica do governo moçambicano. Parecia que os fundamentos macroeconómicos da economia de Moçambique estavam, finalmente, sólidos e o crescimento garantido. Faltava fazer chegar ao povo o efeito concreto das melhorias.

No entanto, no passado mês de Outubro um vendaval pareceu abater-se sobre este cenário quase idílico, voltando a mostrar uma tormenta em formação.

Em 2024, o Banco Mundial previa um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 8,3%, ligeiramente superior à estimativa inicial de 8%. No entanto, a Oxford Economics reduziu as previsões para 3,9% este ano e 3,2% em 2025, apontando a violência pós-eleitoral como o principal factor limitante. Esta situação afecta a estabilidade política e económica, comprometendo as condições necessárias para um crescimento sustentável.

Os sectores como a indústria extractiva, a agricultura e os transportes continuam a impulsionar o crescimento. A inflacção em 2024 foi projectada para se manter abaixo dos dois dígitos, em torno de 7%, um reflexo da recuperação económica após os impactos da pandemia e das perturbações globais.

Apesar desse crescimento, o país enfrenta desafios económicos, como a inflacção e a escassez de divisas. O Banco de Moçambique tem implementado medidas para conter a inflacção e estimular a economia. Em Novembro de 2024, a taxa MIMO foi reduzida, com a Prime Rate a cair de 24,25% para 22,82%. Apesar disso, o volume de crédito à economia manteve-se em cerca de 247 biliões de meticais até Outubro, sem um crescimento substancial.

As manifestações e tensões sociais resultaram em perdas económicas significativas, estimadas em cerca de 2,2% do PIB, segundo a Confederação das Associações Económicas (CTA). Este cenário tem prejudicado a concessão de crédito e a confiança no mercado, afectando o crescimento económico​.

O impacto da política monetária e do crédito à economia

Apesar da redução da Prime Rate em 2024, de 24,25% para 22,82%, o crédito à economia tem apresentado uma resposta limitada. Até outubro de 2024, o volume de crédito manteve-se em torno de 247 biliões de meticais, sem um crescimento substancial. Isto contrasta com o que seria esperado em um ambiente de taxas de juros mais baixas, que deveria estimular a concessão de crédito e a actividade económica​.

A dinâmica entre a política monetária e o crédito à economia é influenciada pelo contexto pós-eleitoral. O ambiente de instabilidade política, caracterizado por tensões e incertezas, tem levado os bancos a adoptarem uma postura conservadora. Estes preferem focar na liquidez e solvência, em vez de expandirem o crédito. Ademais, a elevada percepção de risco tem gerado hesitação por parte das empresas e indivíduos em assumir novas dívidas. Como resultado, a medida de redução da taxa de juro não tem gerado o estímulo esperado para o crescimento económico.

Outros factores estruturais

Além do contexto político, existem factores estruturais que também influenciam a resposta limitada do crédito à economia. O sector bancário em Moçambique é dominado por poucos grandes bancos, o que limita a competição e os incentivos para uma expansão agressiva do crédito. Estes bancos tendem a concentrar-se em segmentos de menor risco, como o financiamento ao governo e grandes empresas, deixando as pequenas e médias empresas (PMEs) com acesso limitado ao crédito.

A informalidade económica também dificulta a avaliação de risco e a execução de garantias, tornando os financiamentos mais arriscados e caros. Embora a redução da Prime Rate tenha o potencial de estimular o crédito, as altas taxas efectivas cobradas aos clientes finais, em parte devido aos prémios de risco elevados, continuam a limitar o impacto da medida. Além disso, o elevado défice fiscal e a crescente dívida pública competem com o sector privado por recursos financeiros, limitando ainda mais o acesso ao crédito​.

A questão das divisas e a gestão cambial

A escassez de divisas tem sido uma preocupação crescente, especialmente desde 2023, quando o Banco de Moçambique suspendeu a provisão de divisas para as importações de combustíveis. A competição por divisas aumentou, dificultando o acesso às mesmas, apesar de o mercado cambial continuar relativamente estável. As reservas internacionais líquidas subiram de 3,0 para 3,6 mil milhões de dólares entre junho de 2023 e junho de 2024, e a taxa de cobertura das importações tem mostrado sinais de estabilidade​.

No entanto, a gestão cautelosa das divisas pelos bancos comerciais tem dificultado o acesso ao mercado cambial para muitas empresas. Esta dificuldade tem alimentado a percepção de escassez de divisas, mesmo quando o Banco de Moçambique sustenta que o mercado permanece estável.

O ambiente eleitoral também influencia a disponibilidade de divisas, com investidores a adiarem decisões de investimento devido à incerteza política. Este atraso na entrada de investimentos externos tem contribuído para uma menor oferta de divisas no mercado, aumentando a pressão sobre os bancos comerciais. Para resolver este problema, é necessário um alinhamento mais eficaz entre o Banco de Moçambique, os bancos comerciais e o sector privado​.

Considerações finais

Embora a redução da taxa MIMO e as políticas monetárias estejam alinhadas com o objectivo de estimular a economia, o impacto dessas medidas tem sido limitado devido ao contexto pós-eleitoral e aos desafios estruturais da economia moçambicana. A instabilidade política, a escassez de divisas e as dificuldades no sector bancário são factores que limitam a eficácia das políticas económicas.

Para que Moçambique possa atingir um crescimento económico sustentável, será necessário um esforço coordenado, incluindo reformas no sector bancário, estabilização política e apoio contínuo ao sector privado. Apenas com uma abordagem integrada será possível transformar a política monetária numa ferramenta eficaz para promover o crescimento económico e a inclusão financeira no país. (Simão Djedje)

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