Numa grande entrevista ao Profile, o presidente da Federação Moçambicana de Empreiteiros – FME, Bento Machaila, destaca os vários papéis desempenhados pela agremiação ao nível do sector de obras públicas.
Profile Mozambique: Em jeito de começo, pode descrever o que é a Federação Moçambicana de Empreiteiros e qual é a sua relevância no sector da construção?
Bento Machaila: A Federação Moçambicana de Empreiteiros é uma organização que congrega associações de empreiteiros de todas as províncias de Moçambique, permitindo a associação de todas as empresas de construção, quer nacionais, assim como estrangeiras, desde que operem no território nacional. A Confederação Moçambicana de Empreiteiros é também um parceiro do Governo, tendo, portanto, participação e representação na Comissão de Licenciamento de Empreiteiros que está subordinada ao Ministério das Obras Públicas.
A relevância da FME no domínio do sector da construção é bastante significativa. Através da sua actuação, a FME contribui para a promoção de boas práticas no sector através da promoção da concorrência justa e a melhoria da qualidade das obras realizadas no país.
PM: Que avaliação podemos fazer do actual panorama das empresas de construção civil em Moçambique, levando em consideração o contexto financeiro do país?
BM: A actividade de empreiteiros é desenvolvida através de contratos de prestação de serviços. O Estado é o principal contratante dos empreiteiros, pois precisa construir escolas, hospitais, centros de saúde, sistemas de abastecimento de água, sistemas de fornecimento de energia, entre outros serviços. No entanto, como sabemos, o Estado moçambicano tem enfrentado problemas financeiros, resultando na dificuldade em financiar a maioria dos projectos sociais. Quando temos um Estado como cliente base no sector da construção a enfrentar problemas financeiros, teremos, de forma imediata, um decréscimo em termos de crescimento do próprio sector. Portanto, a capacidade técnica e financeira das empresas do sector ainda não está no nível desejado.
PM: Quais são as principais barreiras enfrentadas pelas empresas do ramo de construção em relação à contratação para projectos de infraestrutura em Moçambique?
BM: Primeiramente, é preciso referenciar que estamos em uma economia de mercado onde sobrevivem os mais fortes, e os mais fracos, naturalmente são sufocados. Acredito que a principal barreira seja a ausência de protecção do Estado para com as empresas nacionais. A protecção seria o Estado garantir a igualdade de critérios nos concursos públicos. Sucede que o Estado, favorece empresas estrangeiras. No âmbito da contratação estatal para a execução de obras públicas, selecionam empresas que dispõem de condições financeiras para a execução completa da obra. Essa estratégia, de certa forma, elimina empreiteiros nacionais da concorrência porque não temos empresas nacionais com a capacidade de custear uma obra de grande dimensão até sua finalização sem a alocação dos recursos do Estado. O Estado devia permitir que as empresas concorressem em pé de igualdade. Repito, proteger não é favorecer. Em todo o mundo, o que é nacional deve ser protegido. Porque as empresas que vêm de fora são agressivas em termos de capacidade de investimento e quando não há protecção, corremos o risco de eliminar empresas nacionais do mercado.
PM: Ajuste directo: Ajuste directo tornou-se uma das principais preocupações dos empreiteiros. Que intervenções têm sido feitas pela FME no sentido de tornar as contratações mais justas?
BM: Há 12 anos, começamos um processo de negociação com o Estado para garantir por lei que projectos acima de 100 milhões de meticais obriguem as empresas vencedoras a subcontratar empresas nacionais em pelo menos 20%. Isso visa permitir que empresas que não consigam acessar as grandes obras possam participar por meio da subcontratação. Quando começamos essa abordagem, o país estava planeando a construção da estrada circular e da ponte Maputo-Katembe. Começamos a fazer pressão para garantir a participação das empresas nacionais nesses projectos. No entanto, durante a execução desses projectos, não conseguimos assegurar a entrada efectiva das empresas nacionais.
Actualmente, existe um decreto que obriga a subcontratação de empresas nacionais para projectos avaliados com mais de 100 milhões de meticais, mas ainda há preocupações da Federação, pois não há muita clareza sobre as formas de contratação de pequenas e médias empresas pelas grandes empresas. Temos alertado o Estado por meio da Unidade Funcional de Supervisão de Aquisições, subordinada ao Ministério da Economia e Finanças, que se não prestarmos atenção aos mecanismos de subcontratação do empreiteiro principal, isso afectará a qualidade das obras públicas. O empreiteiro subcontratado, caso não seja contratado em condições justas, não terá capacidade para entregar uma obra de qualidade.
Um exemplo claro ocorreu durante a pandemia da Covid-19, quando houve a polémica na construção de sanitários nas escolas. O Estado fez ajuste directo a um grupo de empresas que por sua vez, subcontratou empresas nacionais, mas os valores pagos às empresas nacionais foi muito baixo, o que resultou em obras de baixa qualidade e abandono de algumas obras. Portanto, se o Estado não prestar atenção aos preços praticados nas subcontratações, acabará prejudicado no resultado das obras.
PM: Que elementos justificam o nível da qualidade das obras públicas no país?
BM: A qualidade das obras está directamente ligada à parte financeira. O Estado tem adoptado um elemento bastante prejudicial para a adjudicação das obras, chamado “menor preço”, que está descrito no próprio decreto. Em uma situação em que dez empresas concorrem, primeiro são analisados elementos relacionados à capacidade técnica e experiência. Após essa análise, suponhamos que apenas cinco empresas tenham sido aprovadas no primeiro teste. A análise subsequente é sempre baseada no critério de menor preço.
Actualmente, estamos em um cenário em que empresas nacionais não conseguem ganhar obras públicas, inclusive as empresas que possuem experiência no mercado construtor. Quando surgem concursos e as empresas sabem que o critério para a conquista das obras, irá se basear na política do menor preço, acabam reduzindo os preços. Ao reduzir os preços de certeza que terão de recorrer a serviços de baixa qualidade ou, em algumas situações, a adendas que ultrapassam muitas vezes a margem de 25% estabelecida por lei.
Além disso, é importante considerar que os custos de construção devem analisados de acordo com as regiões. Construir na zona sul não é o mesmo que construir na zona Norte do país. Esses são elementos são descartados pelo Estado. Portanto, se quisermos infra-estruturas de qualidade, é necessário investir na qualidade
PM: Mega-projectos: será que temos hoje empresas de construção no domínio nacional, capazes de responder a demanda e exigências dos mega-projectos?
BM: Essa é uma pergunta muito pertinente. Primeiro, para as empresas acederem aos mega-projectos, têm enfrentado muitas barreiras. Vou dar um exemplo. Existem situações em que os mega-projectos exigem que as empresas concorrentes apresentem um volume de facturação de 50 milhões de dólares nos últimos três anos. Se retrocedermos aos últimos três anos, obviamente vamos chegar aos anos de 2020 e 2021, anos afectados pelos efeitos da pandemia da Covid-19 e posteriormente uma crise económica.
Nessas condições, é quase impossível que uma empresa tenha esse nível de facturação, e não estamos falando apenas de empresas nacionais, mas também de empresas estrangeiras que, por operarem no país há mais de dez anos e são consideradas nacionais. No âmbito dos mega-projectos, essas empresas enfrentam vários desafios, pois são impostas grandes exigências e níveis de certificação internacional que são impossíveis as empresas nacionais.
PM: Com base na importância da participação das empresas nacionais em grandes projetos e nas sabendo das limitações, quais estratégias a FME tem desenhado?
BM: A subcontratação continua sendo uma estratégia eficiente para essas situações, pois permite a participação de empresas nacionais em mega-projectos liderados por empresas internacionais. No entanto, também incentivamos a adesão aos consórcios como uma alternativa viável. Ao se agruparem, empresas com diferentes níveis de experiência e capacidade, podem se complementar, aumentando suas chances de responder aos requisitos exigidos e assim concorrer aos grandes investimentos.
PM: Quais são as expectativas da FME 2024, em termos de crescimento e influência no sector de construção em Moçambique?
BM: Como Presidente da Federação Moçambicana de Empreiteiros, temos grandes projectos para o presente ano. Primeiro devo destacar que tivemos eleições recentemente ao nível da Federação neste mandato, estamos focados na difusão do Decreto 79-2022, de 30 de Dezembro, que estabelece os mecanismos de contratação para obras públicas. Esta legislação traz inovações importantes para o sector da construção, o que representa um avanço significativo para a nossa federação e seus membros.
É importante destacar que estamos a enfrentar desafios no sector da construção, mas vemos esses desafios como oportunidades de crescimento e desenvolvimento. Estamos a trabalhar no sentido de garantir a existência de práticas justas no sector, promovendo a transparência nos processos de contratação. Além disso, estamos empenhados em aumentar a participação dos empreiteiros nacionais em projectos de grande dimensão através da abertura dos membros em aderir aos consórcios. Em resumo, as perspectivas para o sector da construção em Moçambique no presente ano, são promissoras.