Nesta entrevista, Dário Camal, diplomata, empreendedor, escritor, entre outras qualidades, faz uma radiografia da importância do Dia Internacional da Juventude, liderança juvenil, empreendedorismo e o estágio actual do mercado de emprego.
Profile – Olhando para o lema proposto, este ano, pelo Conselho Nacional da Juventude, qual é o papel que a Juventude poderá ter para quebrar as barreiras e divergências internacionais para a criação de um mundo mais solidário?
Dário Camal – Penso que o lema deste ano foi influenciado por causa das tensões militares, a guerra Rússia-Ucrânia e a Covid-19. Nunca se falou tanto de solidariedade como se fala agora e isto, em parte, é resultado de uma geração que coloca um ser humano a competir com outro ser humano.
Não estamos a criar um mundo de solidariedade porque perdemos valores morais. As gerações dos nossos pais e avôs não eram tão informadas e instruídas quanto a nossa, mas privilegiam valores e princípios, é por isso que este lema torna-se relevante.
Profile – Quanto à questão da liderança juvenil, em que estágio o nosso país se encontra e quais são os exemplos concretos a citar?
Dário Camal – Eu acredito que a liderança é uma qualidade nata nas pessoas. Em África, se não são as religiões que crescem demasiadamente, são os cursos de liderança. Há um falso paradigma de que todos vão ser empreendedores e eu acho que uma sociedade não pode ser formada só por líderes, e isso não nos tira valor – não faz com que uma pessoa seja menos importante que a outra – podes ser CEO de uma empresa e não seres líder, assim como podes ser um Presidente da República e não conseguires comandar o teu país.
Em África, particularmente, a nossa sociedade e cultura oprime, omite e desincentiva que os líderes jovens tomem um espaço porque há medo da juventude, acreditando-se que para manter o poder, não deve haver inclusão de pessoas mais fortes do que nós.
Não há um espaço real que incentiva, de facto, a liderança juvenil e o discurso é sempre o mesmo: os jovens são sempre vistos como um problema, à isto associa-se uma suposta marginalidade, preguiça e falta de visão.
O que temos de perceber é que não há oportunidades e sistema preparado para absorver os jovens no mercado de trabalho. Está claro que um jovem desocupado tem mais chances de ser marginal, frustrado e com pensamentos negativos, precisamos colocar os jovens ocupados.
Profile – Como os jovens devem se posicionar para o mercado de trabalho?
Dário Camal – Com o crescimento populacional que temos em Moçambique, não é possível haver vagas de emprego para tantas pessoas. Por exemplo, nos últimos cinco anos de mandato o Governo não conseguiu criar 300 mil postos de trabalho. Sou da opinião que a maior riqueza de África não são os recursos minerais… o maior recurso que a África tem são as pessoas.
O continente e o país precisam da mão de obra, então, não se justifica, por exemplo, mandarmos vir 1000 cidadãos chineses para virem construir uma ponte, se a mão de obra está aqui.
Profile – O que é mais sustentável entre ser empreendedor e ser empregado?
Dário Camal – O que posso dizer é que o futuro deste país está no empreendedorismo, porém devo aproveitar esta ocasião para deixar claro que a maioria das pessoas que se assumem como empreendedoras, na verdade, são revendedoras. É preciso deixar isto claro, empreender tem a ver com inovação. No entanto, é preciso reconhecer o esforço de todos que fazem estes negócios porque no final das contas conseguem o seu sustento.
Resumidamente, o empreendedorismo é o caminho mas não é toda a solução. Então, é melhor ser empreendedor e/ou revendedor do que ficar parado. Se odeias a miséria, tens de fazer alguma coisa para superá-la.
Por outro lado, ser empregado é complexo porque o sector público e privado juntos não conseguem fazer um equilíbrio por causa do dividendo demográfico.
Profile – Quais são os sectores mais estratégicos para criação de emprego para a juventude?
Dário Camal – Moçambique é um país fértil, todos os sectores são estratégicos. Nós temos mão de obra para tudo neste país. Temos actualmente pessoas formadas, informadas e com capacidades de liderar.
Profile – 1.5 % da população moçambicana tem o ensino superior concluído. Acha que tendo jovens cada vez mais formados no ensino superior pode agregar valores na implementação de diversos programas socioeconômicos ligados aos jovens?
Dário Camal – Não é sobre quantidade, mas sim qualidade. Obviamente que o país precisa de pessoas formadas, mas formadas com qualidade. Se continuarmos a focar em números, vamos continuar a ter problemas porque muitas pessoas licenciadas não estão preparadas para o mercado de trabalho, isto pela má formação a que são submetidos.
Profile – Que programas acha que deveriam ser estabelecidos para a criação de um ambiente de negócios que favoreça e facilite os jovens empreendedores?
Dário Camal – O governo de Moçambique deve trabalhar de forma estruturada e integrada para permitir que haja mais informações, ideias, mais absorção das preocupações e melhor resposta em diversos sectores.
Profile – Tem alguma mensagem de motivação alusiva ao Dia Internacional da Juventude?
Dário Camal – Que continuem a buscar suas oportunidades, seja como empreendedores ou revendedores, o país em si é um desafio, mas tudo depende de nós e das nossas capacidades. Nós somos do tamanho dos nossos sonhos, é nossa responsabilidade levar Moçambique a bom porto.