Quarta-feira, Dezembro 11, 2024
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Escassez de Divisas em Moçambique: Indisponibilidade ou problema de acesso?

Por: Egas Daniel

A escassez de divisas no mercado moçambicano tem sido uma preocupação crescente, especialmente desde meados de 2023, quando o Banco de Moçambique (BdM) suspendeu a provisão de divisas para as importações de combustíveis. Essa medida teria intensificado a “disputa” por divisas, anteriormente destinadas a outras importações essenciais, como alimentos e medicamentos, complicando ainda mais o quadro de escassez. Com os bancos comerciais obrigados a “se virar” para encontrar as divisas necessárias ao pagamento das facturas de combustíveis, o problema tornou-se mais evidente.

No entanto, o BdM, que detém a responsabilidade pela gestão do mercado cambial, sustenta que o mercado continua estável e líquido, com indicadores como as receitas de exportação e os níveis de conversão a apontar para uma situação controlada. A questão que se coloca é: quem tem razão, o regulador ou as empresas? E qual é o papel da banca comercial neste cenário?

Estatísticas recentes sobre divisas

Discutir a escassez de divisas sem considerar a fonte primária dessas divisas – exportações e importações – seria incompleto. Nos últimos 12 meses, a análise das estatísticas de comércio externo de Mocambique revela relativa estabilidade, embora a média de importações, que foi de 755,79 milhões de Dólares, tenha superado a de exportações, que se situaram em 699,69 milhões de Dólares, uma vez que este desequilíbrio é compensado pelo Investimento Directo Estrangeiro (IDE). Apesar de uma queda nas exportações no início de 2024, seguida por uma recuperação parcial, as importações também diminuíram, atenuando a necessidade de divisas.

A estabilidade cambial quase fixa em relação ao Dólar sugere uma ausência de pressões significativas no mercado cambial. A taxa de cobertura das importações, que atingiu 3,4 meses em Dezembro de 2023, retornou ao nível de 3,1 nos últimos meses, o que indica que não houve movimentos extraordinários na disponibilidade de divisas. Aliás, desde Junho de 2023, as reservas internacionais líquidas subiram de 3,0 para 3,6 mil milhões de Dólares até Junho de 2024, bem como os depósitos em moeda estrangeira aumentaram de 852 milhões de Dólares de Junho 2023 para 876 milhões para Junho 2024.

Assim, embora o sector privado relate dificuldades no acesso a divisas, as estatísticas mostram que, até agora, as exportações têm conseguido cobrir as necessidades de importação, apesar de uma margem apertada e frágil.

Onde reside o real problema de divisas?

A questão não parece residir numa alteração significativa no fluxo de entrada de divisas (disponibilidade), mas sim na gestão cautelosa dessas divisas pelos bancos comerciais que dificulta o acesso aos clientes. A retirada do Banco de Moçambique, a partir de 5 de junho de 2023, de cobrir as importações de combustíveis obrigou os bancos comerciais a mobilizar seus próprios recursos em dólares, eliminando uma zona de conforto que antes existia.

A disponibilidade de divisas entre os bancos comerciais tornou-se mais desigual, dependendo da capacidade de cada banco de atrair grandes exportadores ou clientes que tragam divisas. Essa desigualdade é exacer-bada pela falta de “solidariedade” entre os bancos comer-ciais, evidenciada pela redução nas operações do Mercado Cambial Interbancário (MCI), onde as transações, num país com um Produto Interno Bruto (PIB) de mais de 15 biliões de Dólares, estão na faixa de três a cinco milhões de dólares por mês.

A cautela na gestão de divisas no actual contexto é agravada pela elevada Taxa de Reservas Obrigatórias em moeda externa, atualmente fixada em 39 por cento. Quando combinada com outros factores, como o ligeiro abrandamento da actividade económica no país e a anterior retirada deli-berada do Banco de Moçambique da comparticipação em divisas para a importação de combustíveis, aumenta a pressão exercida pelos bancos comerciais sobre o BdM em relação à “escassez de divisas”.

Essa pressão é exercida de forma indirecta, através de longas filas de espera para o acesso a divisas, que resultam em contínuas reclamações dos empresários. É caso para di- zer que, embora possa haver disponibilidade de divisas na economia moçambicana, a dificuldade em acessar aos mesmos cria a percepção de uma “escassez de divisas ou insuficiência de divisas no mercado”.

O Impacto do contexto eleitoral na escassez de divisas

O fluxo de investimentos no país está directamente relacionado às expectativas dos investidores em relação ao processo eleitoral. Num contexto destes, alguns investimentos tendem a ser adiados até que o novo Governo se estabeleça, o que reduz a entrada de divisas e aumenta a pressão sobre os bancos comerciais. Se em 2023 o país recebeu um influxo considerável de investimento externo, o mesmo não se pode dizer do actual período eleitoral, onde os investidores tendem a postergar suas decisões e a evitar a conversão de dólares em meticais.

Possíveis soluções e perspectivas

A escassez de divisas em Moçambique é um desafio complexo que requer uma abordagem multifacetada e pelas estatísticas relevantes trata-se mais de um problema de dificuldade de acesso a divisas do que de mera disponibilidade. A colaboração e o diálogo entre o Banco de Moçambique, a banca comercial e o sector privado serão cruciais para desenvolver soluções sustentáveis.

O Banco de Moçambique precisa distinguir entre disponibilidade (ter as divisas no sistema) e acesso (permitir que as empresas utilizem essas divisas de forma flexível). “Não podemos ter problemas de refeições em casa, enquanto tem comida suficiente em casa”. Para os próximos meses, se nada for feito pelo regulador e a postura da banca comercial continuar a mesma, é esperado que a pressão no acesso a divisas no mercado continue.

Contudo, a taxa de câmbio que segundo os manuais de economia responde a esta pressão através da sua depreciação, poderá continuar estável/resiliente e fixada nos seus 64 Meticais por Dólar, uma vez que o regulador poderá continuar a usar “rigor e disciplina” sobre os bancos comerciais como instrumento complementar para gerir a estabilidade da moeda, tal como o tem feito nos últimos anos.

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