- Estatística é referente ao período entre 2010 e 2024
O pesquisador Rui Mate manifestou, recentemente, a preocupação com as desigualdades alarmantes na distribuição das receitas geradas pelo sector extractivo em Moçambique. De acordo com os seus dados, entre 2010 e 2024, o Estado moçambicano arrecadou cerca de 4 biliões de dólares provenientes da exploração de recursos naturais. No entanto, apenas 1% desse montante — aproximadamente 26 milhões de dólares — foi directamente destinado às comunidades locais.
Este dado, segundo Mate, expõe uma discrepância gritante entre o discurso oficial e a realidade no terreno.
“Ouvimos frequentemente o Governo afirmar que as comunidades beneficiam das receitas, através da transferência de parte desses valores. As empresas também destacam as suas políticas de responsabilidade social. No entanto, os números mostram uma realidade bem diferente”, afirmou.
A questão foi debatida num evento promovido pelo Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil (CESC), com o objectivo de discutir as prioridades de governação na partilha de benefícios da exploração dos recursos naturais com as comunidades moçambicanas.
Comunidades continuam a receber uma fatia mínima
De acordo com Rui Mate, o imposto de produção deveria ser uma das principais fontes de receita para as comunidades, mas contribui com apenas 10% do valor total arrecadado. Actualmente, as comunidades recebem apenas 2,75% do imposto de produção, um montante que considera insuficiente para melhorar significativamente a qualidade de vida da população.
“Será que os 2,75% são suficientes para mudar a vida das comunidades? Ou estamos apenas a criar uma ilusão de partilha de benefícios?”, questionou.
Apesar do crescimento exponencial do sector extractivo, o impacto para as comunidades continua a ser reduzido. Entre 2015 e 2022, o sector representou 30% das exportações do País, subindo para 55% no terceiro trimestre de 2024. Mate alerta, porém, que esse crescimento não se traduz em melhorias concretas para a população local.
“Estamos apenas a falar de transferências financeiras ou de algo mais estrutural? Questões como emprego, infra-estruturas e acesso a serviços essenciais precisam de ser consideradas quando falamos em beneficiar as comunidades.”
Três desafios para uma partilha justa das receitas
Rui Mate identificou três desafios principais que dificultam uma distribuição mais equitativa das receitas do sector extractivo. O primeiro é a falta de transparência, uma vez que muitas das negociações entre o Governo e as empresas ocorrem sem debate público, excluindo as comunidades do processo de decisão. “As comunidades não são consultadas sobre quais seriam os benefícios que consideram adequados para si”, criticou Mate.
O segundo desafio é a desigualdade na alocação de fundos. Actualmente, 7,25% das receitas são destinadas ao Governo provincial. No entanto, mesmo com esse aumento, os distritos continuam a receber valores muito baixos em termos proporcionais. Além disso, há falta de clareza sobre quem recebe esses fundos e com que critérios são distribuídos. O terceiro desafio é a fraqueza institucional. Muitas das instituições responsáveis pela gestão dos recursos naturais carecem de capacidade técnica e financeira, o que favorece práticas de corrupção e má gestão. “Isto mina completamente os benefícios que as comunidades poderiam receber, tanto de forma directa como indirecta”, alertou o pesquisador.
“Estamos perante um modelo de extracção predatória?”
Diante deste cenário, Rui Mate questiona se Moçambique não estará a seguir um modelo de desenvolvimento exclusivo e de extracção predatória.
“Se as comunidades não estão a receber os benefícios prometidos, quem está a usufruir dessas receitas?”
Entre as propostas para melhorar a governação dos recursos naturais e garantir uma distribuição mais justa das receitas, Mate destaca: Revisão do modelo de partilha de receitas; Maior transparência e participação pública nas decisões; Consultas efectivas com as comunidades sobre as suas reais necessidades; e Fortalecimento das instituições fiscalizadoras para evitar desvio de fundos.
Outros especialistas reforçam críticas
O consultor na área de exploração de recursos naturais, Issufo Tankar, concorda com Mate sobre os problemas de falta de transparência e de acesso à informação. Para ele, há muitos recursos que não geram benefícios para as comunidades, como é o caso dos recursos costeiros.
Tankar defende ainda que os ganhos provenientes do sector devem ser canalizados directamente para as comunidades, de modo a garantir que o impacto positivo seja sentido de forma efectiva.
Por sua vez, Fátima Mimbire destaca a necessidade de uma abordagem mais ampla nos estudos sobre os impactos da exploração de recursos.
“Precisamos de analisar não apenas os impactos ambientais, mas também os sociais e económicos que afectam as comunidades reassentadas.”
Mimbire sublinha que o reassentamento das populações devido aos projectos extractivos tem frequentemente custos elevados, agravando ainda mais o custo de vida.
A activista defende a criação de um conselho consultivo e fiscalizador, com participação activa das comunidades, para que possam definir as prioridades de investimento.
“Precisamos de um modelo de reassentamento moderno, que tenha em conta as realidades actuais, considerando não apenas os lucros das empresas, mas também os prejuízos causados às populações deslocadas.”