– O Estado pode perder acima de 92 milhões de dólares por ano
O Centro de Integridade Pública (CIP) tomou conhecimento de que a ENI está a pressionar o Governo de Moçambique para a assinatura de um contrato referente ao projecto Coral Norte, localizado na Área 4 da Bacia do Rovuma1. Este projecto, com um investimento estimado de 7 biliões de dólares – semelhante ao valor investido no Coral Sul – representa mais um marco significativo na exploração de gás natural no país.
Este processo de negociação ocorre em um contexto delicado, dado que o actual Governo, liderado por Filipe Nyusi, está a menos de um mês de concluir o seu mandato. A negociação de um contrato dessa magnitude, com impactos de longo prazo na economia nacional, deveria ser postergada para o próximo Governo, em respeito ao princípio da prudência e à necessidade de garantir maior transparência e estabilidade nas decisões que afectam o futuro do país.
Assinar um contrato desta natureza em um período de transição política levanta sérias questões sobre a legitimidade e os interesses subjacentes a essa decisão, principalmente quando o país atravessa uma crise de confiança generalizada, com amplas manifestações de descontentamento popular contra políticas públicas que se revelaram ineficientes ao longo dos últimos dez anos.
Informações indicam que o contrato proposto pela ENI inclui a exclusão de duas cláusulas cruciais para o interesse nacional: (i) a possibilidade de pagamento do imposto de produção em espécie; e (ii) a exigência de conteúdo local. Estasalterações suscitam preocupações significativas sobre os benefícios que o país pode efectivamente obter da exploração dos seus recursos naturais.
A legislação sobre o conteúdo local em Moçambique ainda é dispersa, abrangendo normas presentes na Lei de Minas, Lei de Petróleos e na Lei dos Megaprojectos, sem, contudo, existir uma lei específica que centralize as directrizes sobre o tema. Essa lacuna regulatória amplifica o risco de que Moçambique não capitalize plenamente os benefícios económicos e sociais decorrentes da exploração de recursos naturais.
Adicionalmente, a posição assumida pelo actual Presidente da República, Filipe Nyusi, contra a criação de uma lei específica sobre conteúdo local, com o argumento de que poderia prejudicar a competitividade, reforça a controvérsia. A ausência de um marco regulatório robusto expõe o país a negociações potencialmente desfavoráveis, especialmente em projectos de grande escala como o Coral Norte.
Propostas da ENI Ameaçam o Potencial de Desenvolvimento Local e o Controlo dos Recursos
Apesar da relevância estratégica do projecto Coral Norte para Moçambique, as propostas da ENI levantam preocupações legítimas e o timing (momento) em que se pretende discuti-las reforça a convicção de que as multinacionais que actuam em Moçambique, e os consórcios em particular, tudo farão para viabilizar os seus interesses, cabendo aos moçambicanos a responsabilidade de aceitarem ou não termos contratuais perniciosos para o país. A provável exclusão das cláusulas de pagamento do imposto em espécie e de conteúdo local contraria os esforços do país para maximizar os benefícios da exploração de recursos naturais.
Pagamento do Imposto em Espécie
O pagamento do Imposto em Espécie é um mecanismo que permite que o imposto de produção seja pago na forma de recursos naturais, como gás, em vez de dinheiro. Isso pode ampliar a capacidade de Moçambique de utilizar directamente o gás natural para consumo interno, geração de energia ou comercialização no mercado internacional. A sua exclusão limitaria o poder do país de gerir estrategicamente os seus recursos, reduzindo o controlo sobre os benefícios económicos gerados.
Actualmente, a implementação do pagamento do imposto de produção em espécie enfrenta obstáculos práticos. Embora este mecanismo permita que o Governo receba uma parcela do gás extraído para consumo interno ou comercialização, a sua operacionalização exige uma infra-estrutura adequada para armazenar, processar e distribuir o gás natural. Moçambique ainda carece de capacidade técnica e logística para gerir esses recursos directamente, o que levou à opção de receber o pagamento em numerário. Essa abordagem, no entanto, limita a flexibilidade estratégica do país e pode ser interpretada como uma venda directa do recurso, reduzindo a oportunidade de maximizar os seus benefícios.
Como alternativa para superar essas limitações, seria necessário um investimento robusto em infra-estrutura e capacitação técnica, permitindo ao Governo gerir o gás recebido como pagamento em espécie de forma eficiente. Parcerias estratégicas, tanto nacionais quanto internacionais, podem desempenhar um papel crucial na criação de capacidades locais para o armazenamento e utilização do gás, garantindo que esse mecanismo se torne uma ferramenta viável para o desenvolvimento económico sustentável.
Conteúdo Local
A exigência do conteúdo local assegura que uma parcela significativa dos bens, serviços e mão-de-obra empregados nos projectos seja proveniente de Moçambique. Sem essa cláusula, o país corre o risco de ver as oportunidades de emprego e desenvolvimento económico serem transferidas para empresas estrangeiras, agravando a dependência externa e limitando o impacto positivo para a economia local.
Embora o projecto Coral Sul tenha investido milhões de dólares na capacitação de moçambicanos em diversas áreas , as capacidades técnicas necessárias para atender às necessidades específicas de projectos como o Coral Norte ainda não foram plenamente desenvolvidas. Esse cenário levanta preocupações sobre o impacto de eliminar a cláusula de conteúdo local no novo contrato, pois tal medida pode reduzir os incentivos para a continuidade de investimentos na formação técnica e na inclusão de fornecedores nacionais. Sem essa exigência, o risco de Moçambique depender exclusivamente de mão-de-obra e serviços estrangeiros aumenta, agravando a exclusão de trabalhadores locais de funções especializadas e limitando o desenvolvimento de uma cadeia de valor nacional robusta. O projecto Coral Sul está localizado em alto mar, a cerca de 50 km da costa de Cabo Delgado, o que apresenta desafios únicos para a implementação de conteúdo local. A exploração em águas ultra profundas exige um nível elevado de especialização técnica e equipamentos avançados, que muitas vezes não estão disponíveis localmente. Esta realidade limita a capacidade de Moçambique de empregar trabalhadores locais e utilizar fornecedores nacionais para várias funções, incluindo a segurança, manutenção e operações técnicas.
A remoção destas cláusulas representa uma clara ameaça ao potencial de desenvolvimento económico e social de Moçambique. Além disso, a pressão para a assinatura do contrato em um momento de transição política, com o final do mandato do actual governo, levanta preocupações sobre a transparência e a prudência dessas decisões.
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