Em 2022, a Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH), a principal companhia moçambicana de petróleo e gás, testemunhou uma drástica diminuição de sua dívida. Documentos do Ministério da Economia e Finanças (MEF), registaram uma redução da dívida da ENH de 2,98 bilhões para apenas 18 milhões de dólares americanos. Essa queda significativa no passivo é atribuída, principalmente, ao isolamento de uma garantia estatal à ENH para o projecto Mozambique LNG (Área 1) e à transferência de activos e passivos da ENH para o projecto Coral Sul (Área 4) para uma Sociedade de Propósito Específico (SPV) sediada nos Emirados Árabes Unidos (EAU) (FMI, 2023, 2024; ENH, 2022; MEF, 2023a).
De acordo com o Ministério da Economia e Finanças, o isolamento do financiamento do projecto através de SPVs liberou o Estado de fornecer garantias à ENH, contribuindo assim para uma redução dos passivos contingentes das empresas públicas, de 22% para 4% do PIB em 2022 em relação ao ano anterior.
No estudo divulgado pelo Centro de Integridade Pública, CIP, é possível constatar que a reestruturação financeira por meio de SPVs, que carece de transparência.
A TotalEnergies, uma multinacional francesa, lidera um consórcio de petróleo e gás e opera o projecto Mozambique LNG, dedicado à exploração de gás natural na Área 1 da Bacia do Rovuma, ao largo da costa de Cabo Delgado. A decisão final de investimento neste projecto foi tomada em Junho de 2019. A ENH detém uma participação de 15% no projecto Mozambique LNG, sendo o investimento “suportado” por seus parceiros de projecto (ENH, 2019; FMI, 2023).
O financiamento para o desenvolvimento do projecto foi assegurado por agências de crédito à exportação e bancos comerciais. O financiamento do projecto Mozambique LNG é garantido por uma SPV, denominada Moz LNG1, constituída nos Emirados Árabes Unidos (FMI, 2023; TotalEnergies, 2022; ONGC Videsh, 2022).
Para apoiar o envolvimento da ENH no projecto Mozambique LNG, o Governo de Moçambique emitiu uma garantia no valor de 136,1 bilhões de meticais em 2019, equivalente a mais de 2,2 bilhões de dólares na época (República de Moçambique, 2018; MEF, 2019; CIP, 2019).
Em 2021, as concessionárias do projecto Mozambique LNG forneceram garantias no valor de 14,9 bilhões de dólares para os contratos de financiamento da SPV constituída nos Emirados Árabes Unidos (PTTEP, 2021; 2022). Segundo o MEF (2023a; 2023b), o isolamento do financiamento do projecto através da SPV liberou o Estado da necessidade de cobrir a parte da ENH no contrato de financiamento.
Embora a ENH tenha buscado financiamento para sua participação no projecto Coral Sul, os financiadores podem ainda insistir em garantias, potencialmente mantendo a garantia estatal, agora através da SPV. Isso sugere que o Estado pode continuar a ter obrigações financeiras mesmo após a transferência da dívida para a SPV.
O projecto Coral Sul, operado pela Eni, envolve financiamento por meio de uma SPV nos Emirados Árabes Unidos, com participação da ENH. A combinação de financiamento, com 70% de dívida e 30% de capital próprio, implica custos recuperáveis que podem afectar as receitas fiscais em Moçambique.
Embora a SPV tenha sido inicialmente concebida para garantir financiamento para projectos de terceiros, a atribuição de empréstimos à SPV pela ENH indica um uso mais amplo do que o pretendido. Isso permite que o consórcio de petróleo e gás se beneficie da política fiscal dos Emirados Árabes Unidos, evitando a retenção na fonte sobre os pagamentos de juros.
No entanto, os benefícios para a ENH dessa transferência permanecem pouco claros, levantando questões sobre as motivações subjacentes ao seu envolvimento em tais estruturas financeiras. Além disso, a perda potencial de impostos de retenção na fonte devido à transferência dos empréstimos da Coral Sul para a SPV nos Emirados Árabes Unidos destaca as implicações fiscais significativas dessa reorganização financeira.
Este estudo contribui para a compreensão mais ampla das complexidades da governança e da estabilidade fiscal no sector de hidrocarbonetos em Moçambique, enfatizando a necessidade de transparência e avaliação cuidadosa das implicações fiscais de tais transacções.
- Garantias para o financiamento dos projectos da ENH
O Ministério da Economia e Finanças (MEF) registou uma redução significativa de 13 pontos percentuais na exposição do Estado às garantias, em proporção do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022, em comparação com o ano anterior, conforme evidenciado na Figura 1. Esta redução foi atribuída pelo MEF ao isolamento do financiamento do projecto Mozambique LNG por meio de uma Sociedade de Propósito Específico (SPV), o que influenciou a obrigação do Estado de fornecer garantias para as dívidas da ENH.
Apesar dessa reestruturação financeira e da intenção de limitar o escopo do projecto, permanecem preocupações sobre a continuidade da garantia estatal à ENH. Informações de alto escalão, fornecidas anonimamente, indicam que a garantia estatal para o financiamento do projecto ainda está em vigor. Com base em nossa avaliação, a menos que o consórcio internacional de petróleo e gás assuma formalmente essas garantias, é provável que as garantias do Estado para a ENH permaneçam em vigor. Essa persistência potencial das garantias estatais levanta questões sobre a extensão do comprometimento do Estado e os riscos associados.