Terça-feira, Maio 20, 2025
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Telma Le Guen: “Uma estratégia salarial que não se adapta, perde relevância”

Profile Mozambique: Telma, tem um percurso notável que cruza continentes, sectores e culturas. Como é que esta diversidade de experiências moldou a sua abordagem à liderança e ao desenho de estratégias de remuneração?

Telma Le Guen: As várias geografias, sectores e culturas pelas quais passei ensinaram-me que a liderança exige adaptabilidade, clareza e sensibilidade ao contexto. Na remuneração, isso traduz-se na recusa de soluções genéricas. O que resulta em Lagos pode falhar em Maputo. Uma política salarial eficaz deve respeitar o quadro legal, as expectativas locais e o ambiente económico.

Liderar equipas ou aconselhar executivos implica equilibrar a leitura macroeconómica com a experiência humana, cada cultura valoriza a remuneração de maneira distinta. Assim, a remuneração deve ir além do salário base, é uma ferramenta estratégica para retenção, desempenho e cultura organizacional.

Telma Le Guen, Consultora especializada em Compensação e Benefícios (C&B).

PM: Em poucas palavras, como definiria o propósito que a move neste momento da sua carreira profissional?

TLG: O meu propósito é claro, ajudar empresas africanas a tornarem-se competitivas na atracção e retenção de talento através de estratégias de remuneração inteligentes, justas e sustentáveis. Foi com essa visão que fundámos a Workrate para democratizar o acesso a dados fiáveis e tornar as decisões mais informadas.

Uma boa política salarial transforma vidas: beneficia não só os colaboradores, mas também as suas famílias e comunidades. As empresas precisam de respostas concretas sobre competitividade, equidade e retorno do investimento em pessoas e é esse o trabalho que me move.

PM: A remuneração deixou de ser apenas um número no fim do mês. Que tendências globais está a observar na forma como as empresas Africanas pensam e praticam remuneração?

TLG: A mudança é evidente: remuneração hoje é entendida como uma experiência total. Os colaboradores já não querem apenas saber quanto vão ganhar, mas sim o que ganham em qualidade de vida, propósito e reconhecimento. Há uma valorização crescente de factores como flexibilidade, bem-estar e cultura organizacional.

Em África, a pressão vem de vários lados: inflação, escassez de talento e novas formas de trabalho. As empresas têm de repensar os seus pacotes de compensação e comunicar melhor o valor que oferecem aos seus colaboradores. Transparência e alinhamento com a realidade actual são fundamentais.

PM: Na sua visão, que factores devem estar no centro de uma política de remuneração eficaz em mercados emergentes como Moçambique ou Maurícias?

TLG: A base está na inteligência contextual. Uma boa política deve assentar em quatro pilares: capacidade de resposta às condições económicas, equidade e clareza na comunicação, simplicidade no modelo e relevância para o contexto local. É fundamental que os colaboradores percebam como são remunerados e confiem na equidade dos processos. Em ambientes onde faltam dados e estruturas formais, a tecnologia pode ser a ponte para decisões mais conscientes e sustentáveis.

PM: Quais são os erros mais comuns que encontra em organizações que tentam reestruturar os seus modelos de compensação e benefícios?

TLG: Há padrões que se repetem: cortes cegos ou aumentos reativos, imitação de modelos estrangeiros sem contextualização, desvalorização das desigualdades internas e falhas na comunicação. Uma boa estratégia de remuneração exige tanto gestão técnica como gestão de mudança. Se os colaboradores não compreendem a lógica por trás das decisões, até um modelo bem construído pode fracassar.

PM: A Workrate posiciona-se como uma plataforma de inteligência de remuneração. Que tipo de decisões esta tecnologia ajuda a informar?

TLG: A plataforma TheWorkrate™ apoia decisões estratégicas como revisão salarial, gestão de riscos de talento, desenho de incentivos e planeamento orçamental. Para comités executivos, ela fornece dados precisos sobre competitividade salarial, gaps internos e retorno sobre investimento em capital humano. Isto traduz-se numa gestão de risco mais eficaz. Em contextos de crescimento ou pressão, permite deixar de agir por impulso e passar a liderar com base numa estratégia estruturada.

PM: Como garantir que a digitalização dos processos de C&B não retira o elemento humano da equação?

TLG: A tecnologia deve servir para empoderar pessoas, não substituí-las. A nossa plataforma é construída para apoiar decisões informadas e fomentar conversas com clareza e empatia. A visualização de dados e os benchmarks são ferramentas que permitem uma comunicação mais transparente entre gestores e colaboradores. O factor humano é insubstituível e continua a ser central na construção de confiança e cultura organizacional.

PM: Como é que os dados e benchmarks correctos podem ajudar empresas Africanas a competir globalmente em matéria de talento e produtividade?

TLG: Com o talento a circular globalmente e muitos profissionais africanos a trabalhar remotamente para empresas no exterior, as empresas locais precisam de alinhar-se com novas exigências. A chave está em oferecer pacotes competitivos, mas sustentáveis, com base em dados locais actualizados. As organizações que não se adaptarem, ficarão para trás num continente que será casa de 25% da população mundial até 2050.

PM: Num cenário de alta inflação e mercados voláteis, como aconselha os seus clientes a equilibrar pressão orçamental com justiça interna e atracção de talento?

TLG: É nesses contextos que a estratégia de recompensas totais é mais necessária. Combinar incentivos financeiros e não financeiros com inteligência e foco. A equidade interna não pode ser sacrificada. É preciso ter grelhas salariais claras, ferramentas de monitorização e, acima de tudo, comunicar com regularidade. A pressão orçamental deve ser um catalisador para inovar com responsabilidade, não um motivo para ceder à improvisação.

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Conheça Telma Le Guen

É uma consultora especializada em compensação e benefícios (C&B), com uma vasta experiência na criação de estruturas de compensação e na gestão de programas de benefícios envolvendo orçamentos de milhões de dólares em mais de 30 países em África e Médio Oriente.

A sua experiência em C&B vai desde a concepção de estruturas de remuneração para empresas emergentes, harmonização  de planos de C&B até ao desinvestimento. Concebeu políticas de C&B regionais e nacionais, incorporando processos da sua administração, e geriu processos de aumento salariais para vários países.

Desenvolveu e conduziu formações a diversos grupos multiculturais (líderes de RH, Executivos e colaboradores) para temas como a arquitectura de cargos, desenvolvimento de estruturas salariais, bem-estar corporativo e como gerir comunicação de C&B com os colaboradores. Ela tem uma empresa de consultoria, ConsulTRAD, e é a fundadora da TheWorkrate™.

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