Guiada por um percurso ascendente e sustentado em qualidade, Sofia Cassimo, Presidente do Pelouro da Mulher Empresária e Empreendedorismo na Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA) e Presidente do Comité de Gestão actual da Federação Nacional de Mulheres nos Negócios (FEMME), partilha numa conversa autêntica, a sua jornada como empresária.
Durante esta entrevista, oferece uma visão abrangente do contributo da mulher no desenvolvimento socioeconómico de Moçambique.
Profile Mozambique: O Profile identificou-a como uma das mulheres que tem contribuído para dinamizar o panorama nacional. O que tem a comentar sobre este reconhecimento?
Sofia Cassimo: Eu acho que o meu reconhecimento é válido, mas creio que é uma questão também de visibilidade e de voz. E isso liga com o tema da entrevista ou o statement que trouxe sobre a participação da mulher no desenvolvimento socioeconómico.
Eu creio que como mulheres, principalmente mulheres em negócios, desde a nossa independência, quiçá antes, nós sempre fomos uma base bastante relevante e activa da economia.
Claro que, numa forma inicial, quando nós criamos o nosso país em 1975, não havia esta abertura a nível de comércio e a nível da economia, éramos um Estado que a maior parte da força de trabalho estava associada ao Estado.
O que se nota é que 20 anos depois da nossa independência, também com a situação económica que nós tínhamos, começa a surgir cada vez mais a informalidade a nível do negócio. E há vários níveis dessa informalidade. Como é o caso das mamãs que fazem o cross-border, ou que vendem nos mercados.
Temos essa informalidade, mas temos outras informais que arriscam um pouco mais, e muito cedo começaram a viajar para Zimbábue, África do Sul e algumas conseguiam ir a alguns países mais longe, como Portugal ou Inglaterra. E parte delas, ou muitas até, começam a ter sucesso, escalam o negócio de uma forma mais estruturada, e passam a ganhar um volume maior, o que de seguida transforma aquela pequena actividade em empresa.
Logo, podemos fazer uma análise paralela com aquilo que é o incentivo que nós temos à formalidade, e eu penso que a formalização dos negócios em Moçambique é um dos grandes obstáculos que nós temos, a nível do nosso quadro legal e do nosso incentivo fiscal, e isso é o que leva a que muitas pessoas continuem na informalidade, ou até algumas que já formalizaram, mas que, de certa forma, nos seus negócios, têm uma parte informal que é para conseguir balancear as suas despesas e custos.
PM: O que é que se pode fazer para aumentar de forma visível a participação e o contributo da mulher no desenvolvimento socioeconómico em Moçambique e na região?
SC: O nosso contributo já existe, no entanto, precisamos dar mais voz e mais visibilidade aquilo que as mulheres estão a fazer. E isso talvez seja o vosso papel como mídia.
Por um lado, eu gosto sempre de remeter para uma coisa que poucas pessoas têm noção do que é, que é um ecossistema empreendedor. E muitos empresários que nós temos na praça acham que não são empreendedores, mas somos todos empreendedores.
Num ecossistema empreendedor, existem dois factores que são muito importantes. O número um é a cultura empreendedora e o outro factor são os Mass Media. A cultura empreendedora representa a essência do empreendedorismo. Significa ter o perfil empreendedor, gestão empreendedora e também atitudes proativas em relação a empreender, componentes essenciais para a sobrevivência e o sucesso dos pequenos empreendimentos num mercado com tanta competição, com mudanças tão rápidas e constantes.
Em segundo, entram os Mass Media para dar voz e mostrar os casos de sucesso ou também mostrar os casos daquilo que não correu bem e que é para outras pessoas poderem aprender com isso, por assim dizer.
PM: Um dos grandes aspectos neste momento em Moçambique tem a ver com o financiamento, “o custo de financiamento está muito alto e inibe o crescimento dos sectores primários e secundários, bem como a diversificação da economia, de uma forma geral”. Contudo, que programas de financiamento mais inclusivos estão disponíveis para apoiar a mulher empreendedora?
SC: A nível de programas, eu não conheço muitos. E acho que têm existido algumas iniciativas muito tímidas, que têm pouca expressão quando a gente vai olhar para aquilo que é o resultado.
Houve, por exemplo, o BNI há quatro anos tinha criado o Fundo de Garantia Agrária, e eu fiz parte, fui até presidente do comité, onde havia realmente uma expressão muito grande, ou que pretendia-se atingir negócios de mulheres. É verdade que tinha um foco muito na cadeia de valor da agricultura, ou do agro-negócio. Por outro lado, tem o Orange Corners em Moçambique, que é um dos casos que eu gosto de mostrar de sucesso, como é que iniciativas pequenas têm resultados tão grandes.
O Orange Corners é uma incubadora de negócios fundada em Moçambique pela Embaixada do Reino dos Países Baixos e pela IdeaLab, em consórcio, e com mais alguns parceiros, como a Vodacom, a M-Pesa, na altura o Banco ABC também estava, agora está o Standard Bank, etc. Portanto, é um conjunto de parceiros que também apoia a iniciativa.
E o que se pretende fazer ali é activação, a nível dos jovens, para esta carreira, entre aspas, ou jornada empreendedora, isso são os programas que se têm lá de pré-incubação, e depois tem o programa em si de incubação, que é de seis meses, onde, durante a vigência desse programa de incubação, os jovens têm acesso a uma subvenção de 750 euros para eles formalizarem ou darem algum tipo de investimento directo no negócio e que lhes permita dar o primeiro salto de crescimento.
Posteriormente, ao terminarem este programa de incubação, eles têm acesso ao Orange Corners Innovation Fund, que por cada ano, 20 destes negócios são selecionados, depois também declaro que já está formalizado, com algum tipo de volume de vendas mais substantivo, têm acesso a um outro tipo de teto de financiamento, onde 60% é subvencionado e os outros 40% é que eles têm que retornar a uma taxa de juros abaixo de 10%.
E aqui o teto dos financiamentos vão até, creio, 15 mil euros. O que é que isto tem demonstrado? Que já fizeram dois ciclos de financiamento, não é? E aqui um dos parceiros implementadores também é a GAPI, que é o parceiro que depois faz a gestão do fundo. E isto revela que, de facto, com juros pequenos e com valores que realmente são cabíveis ou geríveis dentro daquilo que é capacidade de endividamento de um pequeno negócio, é possível nós financiarmos e estamos a fazer crescer um ecossistema empreendedor.
Por outro lado, a GAPI também tem outras iniciativas, que eles têm feito o mesmo tipo de processo. A AMBA também, que é a Associação Moçambicana de Business Angels, também têm tido algum tipo de iniciativas. Mas aqui o grande problema é que nós também ainda temos que educar o nosso tecido empresarial, que está mais avançado, por assim dizer, que isto é algo que é válido para eles também, ou seja, que vale a pena investir nestes negócios, e vale a pena assumir esse risco.
PM: O tecido empresarial nacional tem sabido utilizar bem os diversos programas e fundos de financiamento e não só, tendo em vista a sua competitividade?
SC: Neste contexto temos que fazer uma análise a vários níveis. Por exemplo, a Secretaria de Estado Juventude e Emprego (SEJE), lançou um programa que está a ter bastante sucesso, que é o EMPREGA que vai atingir mais de 1500 jovens em Moçambique, já vai na segunda fase, com subvenções que vão até a um milhão e meio de meticais, isto é, temos uma iniciativa por parte do Estado, do nosso governo, que está a financiar directamente estes negócios, e isso é um bom indicador.
E penso que é importante pensarmos que, mesmo lá fora, em outros ecossistemas mais desenvolvidos passam por desafios, por isso é importante incutir na mente que, se eu for investir em 100 negócios, possivelmente de 100, somente 20 ou 30 crescerão, de facto, num horizonte de 5 anos.
Outro exemplo a considerar, é o Programa de Aceleração de Startups desenvolvido pelo Standard Bank, foi a primeira vez que um banco deu subvenções daquela magnitude, acho que eram 9 ou 7 milhões. Mas tudo isto, quando conferimos a amostra, em comparação com a quantidade de empresas que temos, que o Instituto Nacional de Estatística nos diz, a quantidade de empresas que temos registadas no país, não chega nem a 5%. É muito pouco.
Depois temos as estatísticas de financiamento que a Banca Comercial nos fornece. Mas eu acredito vivamente que se formos comparar os quatro maiores bancos nacionais, quem é que são as pessoas que conseguem aceder ao crédito, ou as empresas que conseguem aceder ao crédito, vamos ter um conjunto de 150, 200 empresas que são as mesmas. Porque é muito difícil conseguir ter aquele conjunto todo de critérios que a Banca nos exige hoje em dia.
PM: A nível de investimentos, quais devem ser os pontos de atenção que os investidores devem ter para o presente ano, na sua perspectiva?
SC: Eu acho que este é um ano atípico. E não só falando da questão política das eleições, temos muitas coisas a acontecer no mundo inteiro.
E isto vai ter algum efeito ricochete para nós. É um ano onde devemos estar muito preocupados em garantir a operação que temos nos nossos negócios mas ao mesmo tempo também é um ano de oportunidade. Oportunidade no sentido de conseguir fazer leituras de como é que é o comportamento do mercado.
O país a mudar e está cada vez mais aberto. Temos cada vez mais investidores estrangeiros a visitarem o país.
Temos cada vez mais um pool de empreendedores mais robustos. Temos também, de certa forma, mais oferta para os empreendedores. Então nós estamos aqui a transformar, de certa forma, o nosso mercado.
E há muitas iniciativas jovens, ou recentes, com muito valor comercial e com muito potencial de crescimento. Estamos numa época onde aquelas empresas ou aqueles investidores que, de facto, não têm medo de arriscar, é uma época para fazer esse teste.
PM: Qual é o “apetite” dos investidores e das empresas estrangeiras pelo mercado moçambicano? Por favor, dê exemplos concretos de investimentos/transações comerciais existosas.
SC: É importante referir que a agricultura e o turismo têm sido sectores, também, com muito investimento, refiro ao turismo, também, no contexto das indústrias culturais e criativas, que é um conjunto de oportunidades que nós precisamos cada vez mais capturar e saber capitalizar.
Indústrias, como a extrativa, é uma indústria que tem, realmente, um alto valor, mas também tem um alto risco.
E nós, talvez, não damos a oportunidade de mostrar o que é que se pode investir mais no nosso país. E, quando digo agro-negócio, não é só estar na parte da produção. É estar na parte da exportação, é estar na parte do empacotamento, é estar na fase de processamento.
Temos o PRONAI que é o Programa Nacional Industrializar Moçambique, que creio que vai ganhar bastante dinâmica este ano.
Temos o Millennium Challenge Account, que vai iniciar o seu projecto, e isto vai trazer outra de dinâmica para região centro-norte. E gosto muito desta parte de estarmos a descentralizar os investimentos.
Sofia Cassimo é também Chapter Head para a WIB-Mozambique, que é o African Women in Business, uma organização africana que surgiu do SADC Business Council para focar mais em assuntos ou negócios de mulheres, mas com um foco especial na área de trade e também Lead Catalyst na Idealab e fundadora da Samsara.